Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da University of Virginia School of Medicine, dos EUA, descobriram os estágios iniciais da doença de Parkinson. O estudo com a conclusão foi publicado hoje (11)  no jornal Communications Biology.
A pesquisa demorou três anos para ser concluÃda. A próxima etapa será o rastreamento de drogas que bloqueiem os oligômeros (estrutura proteica em forma de cadeia com baixo peso molecular), antes de partir para a segunda fase de testes em animais e seguir para os testes finais em humanos.
O Mal de Parkinson é a segunda mais comum das doenças neurodegenerativas e pode levar à demência. A primeira é o Alzheimer.
Destruição progressiva
Doenças neurodegenerativas são doenças em que ocorre a destruição progressiva e irreversÃvel de neurônios, as células responsáveis pelas funções do sistema nervoso. Quando isso acontece, dependendo da doença, gradativamente o paciente perde suas funções motoras, fisiológicas e/ou sua capacidade cognitiva.
“A grande questão é saber qual é o alvo para poder desenvolver uma terapia, um medicamento. O nosso trabalho mostra, exatamente, a formação dos chamados oligômeros competentesâ€, disse um dos autores do trabalho o pesquisador pela UFRJ, Jerson Lima Silva. “Tem evidências que [os oligômeros] seriam o nosso melhor alvoâ€. De acordo com o pesquisador, o Mal de Parkinson afeta mais de 5 milhões de pessoas no mundo.
Essas estruturas proteicas, quando se rompem, fazem a célula morrer e, na maioria das vezes, quando o paciente é diagnosticado com sintomas clÃnicos, na realidade o Mal de Parkinson começou muito antes. “O tratamento é paliativo. Não há tratamento que cure ou atenue a doençaâ€, disse Silva, que é médico e professor do Instituto de BioquÃmica Médica da UFRJ.
O estudo permitiu que os cientistas observassem, pela primeira vez, como diferentes variantes da alfa-sinucleÃna, proteÃna associada ao Mal de Parkinson, interagem ao longo do tempo, formando inicialmente esses oligômeros. A partir disso, e usando a forma familiar, com mutação, eles conseguiram identificar a formação inicial de agregados da proteÃna ligados aos casos precoces da doença.
Doença ao longo da vida
O professor da UFRJ e doutorando na Universidade de Virginia, Guilherme A. P. de Oliveira, também coautor do estudo, disse que uma pessoa desenvolve Parkinson ao longo de toda a vida. “A conversão entre os estágios da proteÃna acontece lentamente e as estruturas intermediárias e os filamentos se acumulam por muito tempo. Não sabemos qual dos dois desencadeia o surgimento dos sintomas e é mais tóxico para as célulasâ€, disse. Oliveira disse que, se os pesquisadores conseguirem entender o inÃcio da conversão, poderiam desenvolver uma terapia para o tratamento precoce da doença.
Silva acrescentou que o desenvolvimento da doença é um processo lento e que os sintomas, em geral, costumam atingir pessoas com mais idade. “Por isso a forma não familiar é comum depois dos 65 ou 70 anos de idadeâ€. Segundo o cientista da UFRJ, os tratamentos paliativos não cessam o processo de formação de oligômeros que geram mais agregados, passando de célula para célula. “É isso que a gente tem que buscar debelarâ€.
Técnicas de ponta
Os pesquisadores usaram técnicas de ponta em microscopia eletrônica de alta resolução que permite ver a nÃvel atômico as proteÃnas desagregadas. “É importante entender qual é o alvo e o que deve ser utilizado, tanto para desenvolver medicamentos, quanto para, talvez, desenvolver métodos diagnósticosâ€, disse Silva. O estudo utiliza as proteÃnas retiradas das células e avalia seu comportamento. Os pesquisadores puderam ver que o produto final tinha diferença, dependendo da mutação. Silva estima que o projeto deverá se estender por dois ou três anos.
Os pesquisadores compararam a formação das estruturas em quatro variantes da alfa-sinucleÃna, das quais três estavam ligadas a casos hereditários precoces da doença e uma se achava presente nos casos de envelhecimento, que não tem mutação. Com isso, descobriram que nos casos de Parkinson precoce, os estágios intermediários dos processos de agregação de cada variante da proteÃna se formavam em uma velocidade maior do que nos casos de envelhecimento. Isso pode explicar o surgimento de sintomas em pessoas mais jovens.
Eles detectaram também que os filamentos amiloides mostraram estruturas distintas, dependendo da variante da proteÃna da qual se originam. Além de perceber que os estágios iniciais da conversão são distintos, notaram que alguns filamentos formados nos casos de Parkinson precoce também são diferentes.
Fluorescência
Utilizando a técnica de fluorescência, os pesquisadores não só visualizaram as diversas etapas de associação da proteÃna ao longo do tempo, mas observaram também estruturas que antes não eram percebidas. Ao usarem a técnica da criomicroscopia eletrônica, que deu a seus criadores o Prêmio Nobel de QuÃmica em 2017, os pesquisadores observaram a organização estrutural dos filamentos amiloides.
“Como elas [proteÃnas] são muito sutis, não era muito clara a separação entre o que é estrutura competente e não competente para gerar fibraâ€, disse Silva. Oliveira acredita que ao enxergar tais estruturas, os cientistas poderão contribuir para o desenvolvimento de novos tratamentos contra a doença.
O estudo teve apoio da Pew Charitable Trusts, organização não governamental sem fins lucrativos, que estimula a filantropia na população carente dos Estados Unidos, e foi financiado também pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento CientÃfico e Tecnológico (CNPq) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Estrutural e Bioimagem (Inbeb).