Os confrontos da Favela da Rocinha se estenderam à Floresta da Tijuca, e, desde sexta-feira, caminhos que cortam a quarta maior área verde urbana do país se transformaram em cenários de caçadas e tiroteios. Em fuga por um terreno de 4 mil hectares repleto de trilhas, com acessos a 14 bairros das zonas Sul, Norte e Oeste, criminosos propagam medo. No Horto e no Alto da Boa Vista, moradores ficam trancafiados quando a noite cai, e alguns já abandonaram suas casas.
No sábado, nem a Residência Assunção, na Estrada do Sumaré, onde vive o cardeal-arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, escapou do clima de tensão. Bandidos armados com fuzis enfrentaram policiais militares em frente à mansão, que, nesta segunda-feira, ainda apresentava marcas do enfrentamento. Um muro ficou cheio de buracos de tiros, e várias cápsulas de munição 7,62mm permaneciam espalhadas pelo chão.
Em toda a região – onde pontos turísticos como a Vista Chinesa e as cachoeiras do Horto estão praticamente desertos -, o temor é de que ainda possa haver traficantes escondidos na mata e de novas perseguições ao bando.
O tiroteio no Sumaré aconteceu no mesmo dia em que bandidos em fuga da Rocinha provocaram pânico na Tijuca e no Alto da Boa Vista. Trocas de tiros com a polícia acabaram com três bandidos mortos e um adolescente de 13 anos ferido por uma bala perdida. Em frente à casa do cardeal, a pouco mais de seis quilômetros em linha reta da Rocinha, não houve vítimas.
No entanto, testemunhas contaram que o confronto envolveu dezenas de homens que, em vans e carros, desciam a Estrada do Sumaré, supostamente em direção ao Morro do Turano, na Tijuca. Ali , onde o Comando Vermelho estaria dando abrigo aos traficantes que abandonaram a Rocinha.
– Nunca imaginei ver algo parecido. Parecia, de fato, uma guerra. Eram muitos bandidos, que começaram a atirar contra uma viatura da PM. Os policiais não tinham como impedir a fuga da quadrilha – disse uma testemunha.
Em mensagens enviadas pelo sistema de rádio da polícia, policiais pediam prioridade e rapidez para que outras unidades ajudassem a patrulha encurralada na floresta. “Intensa troca de tiros, mais de cem vagabundos na residência do cardeal, eles estão vindo da Rocinha”, afirmava um PM. Uma guarita da segurança do Parque Nacional da Tijuca também foi atingida pelos tiros. Nesta segunda-feira, a cabine estava trancada, sem vigias.
É exatamente entre a guarita e a Residência Assunção que fica a entrada de uma trilha para o Morro do Turano. Seguindo a Estrada do Sumaré, um quilômetro abaixo, há uma bifurcação: pegando a direita, é possível alcançar a Estrada Dom Joaquim Mamede, em direção a Santa Teresa, e, seguindo à esquerda, chega-se ao Rio Comprido e ao Turano, que, ontem pela manhã, teve tiroteios, com pelo menos um morto.
Diante do pânico imposto na floresta, um guarda de uma outra cabine do Parque Nacional da Tijuca, na Estrada Dona Castorina, entre a Vista Chinesa e o Alto da Boa Vista, recomendava aos poucos visitantes que não seguissem caminho floresta adentro. Sem se identificar, uma moradora de uma casa próxima ao local contou que tinha sido uma das poucas que permaneceram no lugar. Pelo menos sete propriedades ficaram vazias.
– Todas as casas estão trancadas. Agora, convivo com um silêncio angustiante. Meus vizinhos não deixaram sequer os cachorros. Fiquei sozinha, não saio mais. Nem à igreja tenho ido. Estou presa em meu próprio lar – disse a moradora. – São muitas trilhas, caminhos que levam a favelas como Turano, Borel, Formiga… Não sei o que pode acontecer.
São 13 estradas e avenidas que cortam o interior e o entorno da Floresta da Tijuca. Trilhas, de acordo com uma estimativa do Instituto Chico Mendes, são mais de cem. Foi por uma delas – que desce do Parque da Cidade, na Gávea, e vai até o Horto -, que outra parte do bando em fuga da Rocinha desceu, na madrugada de sábado.
Cerca de 60 bandidos, com fuzis e pistolas, chegaram a pedir água e cigarros em uma das casas, avisando que não machucariam ninguém. Desde o episódio, moradores de áreas próximas ao Clube dos Macacos e da localidade conhecida como Caxinguelê, por onde os criminosos teriam passado, evitam sair à rua, principalmente à noite.
– Só escutei o barulho dos bandidos passando. Fiquei com o coração na mão. Moro aqui há 70 anos. Nunca aconteceu nada assim – contou um morador.
Uma vizinha disse que está apavorada com a situação:
– Passei o domingo inteiro sem sair de casa. Fechei as janelas e as cortinas. Passamos do paraíso ao inferno num piscar de olhos. Cadê as crianças brincando na rua? Nem sei o que é pior, se o barulho dos tiros ou o silêncio das pessoas presas em suas casas. Os relatos são de que os bandidos continuam descendo pela mata, em grupos menores, durante a madrugada.
Por medida de precaução, para não expor vigilantes a riscos, a segurança comunitária numa entrada do Caxinguelê foi suspensa. As aulas na Escola Nacional de Botânica Tropical, no Solar da Imperatriz – um casarão do século XVIII no sopé da floresta – foram transferidas para um outro prédio, perto da Rua Jardim Botânico. Na sexta-feira passada, antes da passagem do bando por ali, os funcionários do Solar da Imperatriz foram liberados mais cedo, por volta das 16h.
– Já tinha muita polícia aqui, provavelmente para tentar interceptar os bandidos. Mesmo assim, os criminosos passaram, de madrugada – afirmou um dos funcionários.
A trilha por onde os bandidos fugiram, contou um morador, costuma ser frequentada por praticantes de mountain bike e de caminhadas. Segundo ele, são cerca de 15 minutos até uma estrada no Parque da Cidade, vizinho à Rocinha:
– A água da minha casa vem de uma nascente perto da trilha. O encanamento entupiu no fim de semana, mas não tive coragem de subir para consertá-lo – disse o morador.
Nesta segunda-feira, na Rocinha, nenhum disparo foi ouvido até o início da noite. Por volta das 17h30m, o clima era de tranquilidade, com boa parte do comércio funcionando.
Foto: Reprodução
Fonte: OGlobo
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