Ministros do STF se opõe a Janot em decisão sobre delação premiada

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot reagiu, com veemência, à decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), de devolver à Procuradoria-Geral da República (PGR) a delação do marqueteiro Renato Pereira, sob o argumento de que o Ministério Público não poderia fixar as penas a serem aplicadas ao delator. O ex-procurador-geral afirmou que a deliberação do ministro parte de uma premissa equivocada e, se for mantida, vai “matar” delação premiada no país, base de toda Operação Lava-Jato.

— É inacreditável, é um absurdo. Vão matar o instituto da colaboração — disse Janot.

Embora Janot tenha criticado Lewandowski, a decisão do ministro não gerou polêmica entre integrantes do STF. Para vários ministros, a decisão está em harmonia com o entendimento do plenário da Corte, que, em junho, decidiu que os relatores das delações premiadas têm autonomia para homologar os acordos sozinhos, ou para devolver o material para a PGR e pedir a mudança de tópicos específicos. O ministro Gilmar Mendes avalia que a devolução do acordo do marqueteiro pelo ministro Lewandowski não é um fato isolado.

— É importante que eventuais erros que ocorram não contaminem o próprio instituto, porque daqui a pouco nós passamos a cogitar da sua própria extinção por conta dos abusos. É preciso corrigir os abusos — disse Mendes, após cerimônia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é presidido por ele.

Na visão de ministros do tribunal, o pedido de revisão pode ser feito quando o ministro relator encontrar um ou mais aspectos supostamente ilegais no acordo de delação.

SEM GARANTIA DE BENEFÍCIO

Para Rodrigo Janot, no entanto, se procuradores não podem definir as penas a serem aplicadas, o candidato a delator não terá qualquer garantia de que a delação resultará em algum benefício. Sem a segurança do prêmio futuro, o potencial delator não terá qualquer motivo para revelar segredos e se expor à colaboração e às eventuais represálias.

— Não haverá mais negociações. Ninguém entrega o que tem pela promessa futura e incerta do que virá. Isso não é negociação. É imposição. Não faz parte do estado democrático. É o Estado impondo à força o que quer a seus investigados — afirma o ex-procurador-geral.

Lewandowski devolveu a delação de Renato Pereira à PGR porque, para ele, procuradores não poderiam ter incluído no acordo as penas do delator. Para o ministro, essa é uma atribuição exclusiva do juiz da causa. Janot discorda. Segundo ele, o ministro parte de um entendimento que não existe mais no direito brasileiro desde a Constituição de 1988, quando sistema penal deixou de ser inquisitório e passou a ser acusatório.

Para o ex-procurador-geral, a lei sobre organizações criminosas confere, sim, poder ao Ministério Público de negociar benefícios com criminosos. Caso contrário, não haveria motivo para a lei e muito menos para a delação.

— A acusação pede tudo ao colaborador e diz que, em retribuição, não pode oferecer nada. Que o colaborador aguarde o juiz para ver se ele terá algum benefício. Isso não pode ser sério. A troca é: “você me dá o que eu quero e, depois, veremos o que fazer por você”? Que país de carochinha vivemos? E estamos falando de negociação penal. É como entrar numa loja e dizer: “vou levar essa televisão e depois vamos ver quanto pagamos por ela”. Não pode ser sério — disse Janot.

‘JUIZ NÃO É CARIMBADOR’

O ex-procurador-geral afirma ainda que a decisão do ministro se choca com deliberações anteriores do próprio STF.

— Vários acordos, que admitiram essas cláusulas, foram todos homologadas pelo STF. Foram, aproximadamente, 120 acordos submetidos ao STF. Qual o desconforto agora do STF? Será que as investigações foram para rumos indesejados? Somente s história poderá dizer — disse Janot.

Assim como os ministros do STF, o professor Thiago Bottino, da FGV Direito do Rio, pensa diferente de Janot. Segundo ele, o ministro Ricardo Lewandowski fez aquilo que está na lei, ou seja, analisou a legalidade e regularidade do acordo. Segundo ele, o relator não pode virar um “carimbador” e, se achar necessário, deve devolver o acordo para o Ministério Público Federal.

— O juiz não é um carimbador. Ele tem que ver se está dentro da lei. Esse papel é do juiz — disse Bottino.

A devolução da delação para a PGR já foi um mecanismo utilizado pelo relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, e pelo antecessor dele no posto, Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em janeiro deste ano. Também em junho, o STF decidiu que, depois de homologada a delação, ela pode ter suas cláusulas revistas no momento do julgamento final do processo, pelo colegiado.

 

 

Foto: Reprodução

Fonte: O Globo

 


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