Após dois anos e meio na cadeia, Marcelo Odebrecht, ex-presidente do Grupo Odebrecht, deve deixar a carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, nesta terça-feira (19). O herdeiro de uma das maiores empresas do país foi preso em 19 de junho de 2015, quando foi deflagrada a 14ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Erga Omnes.
Condenado a 31 anos e 6 meses de prisão em dois processos, pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa, Marcelo vai deixar a prisão graças a um acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e do qual participaram outras 76 pessoas ligadas à Odebrecht.
O acordo determina que Marcelo cumpra uma pena total de 10 anos, incluindo o tempo em que ficou detido no Paraná.
Como será cumprida a pena, conforme o acordo:
- 2 anos e 6 meses em regime fechado (já cumpridos);
- 2 anos e 6 meses em regime fechado diferenciado: fica em casa e é monitorado por tornozeleira eletrônica;
- 2 anos e 6 meses em regime semiaberto diferenciado: pode sair de casa, mas deve se recolher durante a noite e aos fins de semana e feriados. Também deve prestar 22 horas mensais de serviço comunitário;
- 2 anos e 6 meses em regime aberto diferenciado: pode sair, mas deve passar os fins de semana e os feriados em casa.
Restrições e benefícios
Nesta fase de regime fechado diferenciado, o acordo com Marcelo Odebrecht prevê, ainda:
- Restrição de visitas: as visitas serão limitadas a familiares, advogados e 15 pessoas predeterminadas, que integrarão uma lista que será entregue pela defesa à Justiça;
- Dias “livres”: nos próximos dois anos e meio, Marcelo terá direito a duas “saidinhas”, ou seja, poderá sair de casa em duas ocasiões. As datas não foram confirmadas.
Caso haja descumprimento das regras ou caso seja descoberto que as informações prestadas na colaboração não são verdadeiras, a Justiça poderá determinar a regressão de regime, e o benefício não valerá para outras eventuais condenações.
Marcelo Odebrecht responde a outros cinco processos na Justiça Federal do Paraná, que ainda não foram julgados em primeira instância. Desses, quatro são ações criminais , e o último é um processo por improbidade administrativa, em que também são réus outros ex-executivos da empreiteira e ex-funcionários da Petrobras.
Multa
Para ter direito a essa pena mais branda, Marcelo Odebrecht teve que contar à Justiça o que sabia sobre os esquemas criminosos que envolviam a empresa. Além disso, foi obrigado a pagar uma multa de R$ 73,3 milhões, valor quitado em junho deste ano.
A Odebrecht, por sua vez, terá que pagar R$ 3,82 bilhões em multas, que estão previstas em um acordo de leniência firmado com autoridades do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça. Desse total, R$ 3 bilhões ficarão no Brasil, e o restante será usado para pagar multas nos outros dois países.
Histórico da delação
Na cadeia, Marcelo Odebrecht demorou a considerar a possibilidade de uma delação premiada. Em um depoimento à CPMI da Petrobras, em setembro de 2015, ele disse que não faria o acordo por não ter nada a contar. “Para alguém dedurar, ele precisa ter o que dedurar. Isso não ocorre aqui”, disse.
Por parte da empresa, as negativas de irregularidades permaneciam em diversas notas enviadas à imprensa.
A situação começou a mudar em março de 2016, quando Marcelo foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância. Esse foi o primeiro processo em que ele recebeu uma sentença na Lava Jato.
Naquele mesmo mês, a secretária Maria Lúcia Tavares, que trabalhava no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, decidiu fazer um acordo de colaboração com o Ministério Público Federal para contar o que sabia sobre as propinas pagas pela empresa ao longo dos anos.
A segunda condenação de Marcelo Odebrecht veio em junho deste ano, em um processo que apurava o pagamento de propina ao ex-ministro Antônio Palocci. De acordo com a sentença, Palocci recebeu propina da empreiteira em troca de ajudá-la a fechar contratos com a Petrobras.
Nesse processo, Marcelo foi condenado a 12 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão. Como a sentença saiu depois da delação, Moro decidiu ajustar a pena ao que estava previsto no acordo.
“Embora seja elevada a culpabilidade de Marcelo Odebrecht, a colaboração demanda a concessão de benefícios legais, não sendo possível tratar o criminoso colaborador com excesso de rigor, sob pena de inviabilizar o instituto da colaboração premiada”, disse Moro, na ocasião.
Setor de Operações Estruturadas: a área da propina
Maria Lúcia trabalhava diretamente com Hilberto Mascarenhas, que foi designado por Marcelo para comandar a área responsável pelos repasses ilegais a funcionários públicos, políticos e até milícias e grupos guerrilheiros, no Brasil e no exterior.
Tais fatos fizeram com que a defesa da empresa e do próprio Marcelo considerassem a possibilidade da delação. O acordo, porém, só foi firmado no final de 2016 e homologado no dia 30 de janeiro de 2017, pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Além do herdeiro do grupo, 76 executivos ligados à empresa falaram o que sabiam à Justiça, e a delação foi considerada pelo Judiciário uma das maiores da história.
Em um dos depoimentos, Emilio Odebrecht, pai de Marcelo, disse que os pagamentos de propina aconteciam há cerca de 30 anos, pelo menos.
Nomes revelados
Os delatores apontaram os nomes de mais de 200 políticos que teriam sido beneficiados pelo esquema. Em troca, eles ajudaram a empreiteira a fechar negócios com o poder público em várias áreas, desde os contratos com a Petrobras até contratos de saneamento básico com prefeituras.
Entre os políticos citados direta ou indiretamente nas delações estão todos os ex-presidentes desde a redemocratização, após o fim da ditadura militar, de José Sarney a Michel Temer.
Durante os depoimentos, Marcelo Odebrecht afirmou que não há político eleito sem caixa 2 no país.
“Não existe ninguém no Brasil eleito sem caixa 2. O cara até pode dizer que não sabia, mas recebeu dinheiro do partido que era caixa 2. Não existe, não existe”, disse o empresário.
As delações dos executivos da Odebrecht fizeram a Procuradoria-Geral da República (PGR) abrir 74 inquéritos para investigar as pessoas citadas. A lista chegou a vazar para a imprensa.
No dia 11 de abril, o ministro Luiz Edson Fachin, do STF, determinou a divulgação dos nomes e a distribuição dos inquéritos na Suprema Corte e nas instâncias inferiores, conforme a existência ou não de foro privilegiado.
A chamada “Lista de Fachin” continha nomes de políticos das principais agremiações, em vários graus de relevância dentro das legendas.
Foto: Reprodução
Fonte: VEJA/G1
Deixe um comentário