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Uma cratera de 30 metros de diâmetro, que engoliu uma casa nesta terça-feira, às margens da Rio-Petrópolis (BR-040), e ainda leva risco para motoristas e moradores, retrata o descaso com a obra sem fim da Nova Subida da Serra, parada desde julho do ano passado, envolta em denúncias de sobrepreço apontado pelo Tribunal de Contas da União. Pelo buraco negro da obra sob suspeição, já passaram R$ 500 milhões, valor que a concessionária Concer informou ter gasto até agora – mesmo assim, a via não ficou pronta, como prometido, no ano passado, para a Olimpíada. Nesta terça-feira, parte da encosta, do lado da pista em direção ao Rio da rodovia, desmoronou, entre Itaipava e Petrópolis. Além de destruir totalmente um imóvel, o afundamento levou parte de outra casa e provocou a interdição de 45 construções, entre elas, uma escola. Cento e vinte e nove pessoas desalojadas foram levadas, num primeiro momento, para a Igreja Nossa Senhora Aparecida, no bairro Bingen, e depois, abrigadas por parentes, levando cestas básicas e kits de higiene pessoal doados. A Defesa Civil está em alerta porque as condições do terreno, que ganhou uma depressão de 70 metros, ainda são avaliadas por técnicos.

O acidente aconteceu na altura do Km 81, justamente sobre o trecho do novo túnel que estava sendo aberto pela Concer, que administra a via desde 1995. A empresa informou que investiga o que teria provocado o desabamento. Ao mesmo tempo, deu início à operação do sistema pare-e-siga para tentar restabelecer a fluidez do trânsito. Os motoristas que vêm de Itaipava estão sendo desviados para uma rota alternativa pelo bairro Duarte da Silveira.

A prefeitura de Petrópolis entrou com uma ação civil pública contra a Concer exigindo que a companhia assuma as despesas das famílias que tiveram que abandonar suas casas. Na queixa-crime, acusou a concessionária de abandonar a obra e não fazer a manutenção adequada da rodovia. Também notificou o Ministério Público Federal, que já tem procedimento sobre as condições de segurança do túnel, que faz parte do projeto de duplicação da BR-040. O Ibama, que concedeu as licenças ambientais para as obras, também deverá ser ouvido, a pedido do município. Enquanto isso, as aulas na Escola Municipal Leonardo Boff, que fica no Contorno, estão suspensas esta semana. Caso o imóvel não seja liberado pela Defesa Civil, a Secretaria de Educação vai redirecionar os 73 alunos para outra unidade na região.

Para os moradores, foi um milagre não ter havido mortos e feridos. Pouco antes, um estrondo provocado pela batida de um caminhão num poste, perto dali, teria tirado muita gente de casa. Imagens flagraram o momento em que uma casa começou a ser tragada pelo terreno, por volta das 9h. Uma menina de 13 anos, que estava no imóvel, conseguiu escapar. Maria Aparecida da Silva Costa, de 23 anos, que mora em um local mais afastada do ponto do deslizamento, contou que estava chegando do trabalho quando cruzou com a irmã e o sobrinho descendo para a estrada:

– Eu só vi quando a casa já tinha desabado, mas moradores contaram que, minutos antes, uma carreta bateu em um poste. Com o barulho, eles saíram de casa e só então perceberam a situação.

Passado o susto, a preocupação é evitar que o problema se agrave. O capitão do Corpo de Bombeiros Sirlei Gomes teme que o terreno continue cedendo. Segundo o oficial, técnicos da Concer estiveram ontem dentro do túnel, mas havia muita água na galeria, o que dificultou a vistoria. Morador do Contorno, Haroldo Wayand, vizinho da casa que caiu, comentou que tremores eram sentidos embaixo do ponto onde o solo afundou:

– Participamos de reuniões com a prefeitura, a Concer e a ANTT, porque estávamos preocupados. Colocaram uma marca em cruz na minha casa e iam lá monitorar. Acho que era para ver se não estava se movimentando. Mas quando suspenderam as obras, pararam de fiscalizar.

A Concer alega que suspendeu as obras por inadimplência da União, que, através de aditivo ao contrato, se comprometera a fazer repasses à concessionária. O TCU, por sua vez, alega que, em valores de 2012, as intervenções estavam R$ 300,9 milhões acima do valor correto, sendo R$ 203,8 milhões de impostos superiores aos devidos e R$ 97,1 milhões de superfaturamento do orçamento do projeto. Com atualização monetária, o sobrepreço chegou a R$ 425 milhões, e o valor total do projeto subiu para R$ 1,42 bilhão. Segundo o TCU, a União transferiu à Concer R$ 237,3 milhões, em dezembro de 2014 e em abril de 2015. Agora, um novo projeto alterado foi enviado pela Concer à ANTT.

O professor de engenharia geotécnica da Coppe/UFRJ Maurício Ehrlich não descarta a possibilidade de o acidente ter ocorrido em função de o túnel – com 4,6 quilômetros, sendo três deles perfurados – não ter sido concluído. O especialista explica que o solo pode ter cedido em decorrência de um processo de erosão pelo fluxo de água. A água da chuva cai e carreia partículas do terreno, que penetram nas fraturas da rocha.

– Normalmente se coloca uma proteção, que pode ser um arco de concreto entre a abóboda do túnel e o trecho de rocha acima dela, que funciona como um filtro e reduz a quantidade de água que desce para a galeria – explica.

O deputado estadual e engenheiro Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) participou, no segundo semestre de 2015, de uma comissão especial da Alerj que acompanhou as obras na Serra. Ele teme por mais acidentes:

– Uma obra de tal envergadura, com construção de túnel, pontes, viadutos, cortes e aterros, não pode ser abandonada pelos responsáveis, Concer e a União, por quase dois anos.

Por nota, a ANTT disse que “está acompanhando de perto as ações da Concer para minimizar os impactos do incidente”.

 

Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo

Fonte: O Globo