“A eficácia do programa de imunização da população brasileira está diretamente associada à recuperação econômica”. A afirmação está no Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de dezembro, da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Segundo as análises do grupo de especialistas da IFI, apesar de constatada melhora da atividade econômica nos últimos meses e de as projeções preverem recuperação gradual do produto interno bruto (PIB) e da arrecadação do país, o avanço recente do contágio pelo novo coronavírus e o aumento das internações e do número de óbitos — além do tempo incerto para que as vacinas cheguem à população — mantêm elevado o grau de incerteza em relação ao desempenho da economia para o próximo ano.
Somada a isso, a dúvida quanto à evolução da demanda interna após a retirada dos estímulos fiscais, em um quadro de deterioração do mercado de trabalho e aperto das condições financeiras, limita a perspectiva de crescimento ao longo de 2021, diz o relatório.
Recuperação
O texto detalha que, nos próximos anos, dever haver uma recuperação gradual do PIB, com riscos a serem acompanhados sobretudo ao longo de 2021. A tendência também é de recuperação da arrecadação, com deficit primário no ano da pandemia projetado em R$ 779,8 bilhões. Até outubro, o deficit calculado foi de R$ 681 bilhões.
O relatório reforça o alerta para os riscos que envolvem as contas públicas, especialmente nas regras fiscais e na trajetória da dívida pública, com o teto de gastos com risco alto de ser rompido no ano que vem, “conforme a IFI tem alertado há bastante tempo”, reforça o texto.
A instituição prevê, a depender do desenrolar das contaminações e da conjuntura pandêmica, que poderá haver uma série de gastos para os quais não há previsão de orçamento no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (Ploa). A relação dívida pública/PIB, sem um planejamento claro, de curto e médio prazos, seguirá em alta, passando de 75,8%, em 2019, para 93,1%, em 2020, e 96,2% do PIB, em 2021. Ou seja, o país passa a dever praticamente toda a riqueza gerada em um ano.
“É fundamental criar as condições que garantam a sustentabilidade fiscal do país, o que contribuirá para a recuperação da economia e a gestão da dívida pública”, diz o texto.
O PIB para 2020, segundo o relatório, deverá ficar negativo, em torno de 4,5% a 5%, mas para 2021, deve se elevar para 2,8%. Até o momento, o PIB registrou variação de -3,4% no acumulado em quatro trimestres. Nesse cenário, a principal influência negativa sobre o PIB veio do setor de serviços (taxa acumulada de -3,5% e contribuição de -2,2 pontos percentuais para a variação do PIB), seguida pela indústria (-3,5% e -0,6 pontos percentuais). A contribuição do setor agropecuário para a variação acumulada do PIB foi praticamente neutra (1,8% e 0,1 pontos percentuais).
Pré-pandemia
A IFI detecta que houve relativa recuperação da economia no terceiro trimestre, mas não o suficiente para levar o PIB de volta ao nível pré-pandemia. A taxa de crescimento do PIB do terceiro trimestre de 2020 acelerou para 7,7% (de -9,6% no trimestre anterior), devolvendo uma parte da queda acumulada no primeiro semestre (-11%, segundo dados revisados do IBGE), provocada pela pandemia.
As atividades de indústria e comércio retornaram ao patamar do início do ano. Pelo lado da oferta, o setor industrial (influenciado, principalmente, pela indústria de transformação) teve protagonismo no desempenho da atividade econômica do terceiro trimestre em relação ao anterior. O crescimento, de 14,8%, mais do que compensou a contração acumulada no primeiro semestre (-13,8%). Já a expansão mais branda do setor de serviços (6,3% após ter diminuído 10,8% no primeiro semestre) foi liderada pelo avanço no segmento de comércio (15,9% x -14,6%) que, como a indústria, retornou ao patamar do início do ano.
O setor de serviços agrega diversos subsetores afetados pela pandemia, com destaque para transporte, armazenagem e correio (12,5% x -20,6%) e outras atividades de serviços (7,8% x -21,1%). A melhora do desempenho da atividade econômica após o choque negativo de março e abril, causado pela pandemia, pode ser explicada pelo efeito da flexibilização das medidas de isolamento social, do impulso gerado pela reabertura das atividades produtivas e do impacto sobre a demanda das políticas de compensação de renda, diz o texto.
“O risco para 2021 continua presente, uma vez que a evolução da doença e o ritmo da compra de vacinas e da imunização da população ainda é incerto. Consumos das famílias e do governo e investimentos também cresceram, mas não recuperaram as perdas acumuladas no primeiro semestre”, frisa o relatório.
Pela ótica da demanda, o consumo das famílias, as despesas do governo e a formação bruta de capital fixo registraram, nessa ordem, variações de 7,6%, 3,5% e 11,0% comparativamente ao trimestre imediatamente anterior. A variação acumulada no primeiro semestre para cada uma das rubricas havia sido de: -13,0%, -8,2% e -14,5%. As exportações e as importações, por sua vez, seguiram em queda, recuando 2,1% (contra variação acumulada de -0,3% no primeiro semestre) e 9,6% (contra -12,9%), respectivamente.
Base fraca
No entanto, o relatório detalha que o crescimento de 2021 é explicado pela fraca base de comparação do ano anterior, mas o risco segue presente. Após a divulgação do resultado do PIB do terceiro trimestre, as projeções de mercado obtidas no Boletim Focus do Banco Central, passaram de -4,5% para -4,4% (para o crescimento do PIB). Para 2021, a projeção de mercado encontra-se em 3,5% — crescimento explicado, quase integralmente, pela questão estatística da reduzida base de comparação do ano anterior.
Endividamento
O relatório também diz que o endividamento público manteve a tendência de alta em outubro. O crescimento ocorre em razão das emissões de títulos necessárias para enfrentar a elevação de gastos com a pandemia. De acordo com o Banco Central, a dívida bruta do governo geral (DBGG) atingiu 90,7% do PIB em outubro, acréscimo de 13,6 pontos percentuais sobre o mesmo mês de 2019. Entre setembro e outubro, a elevação foi de 0,2 ponto percentual, evidenciando uma redução no ritmo de alta da DBGG.
A piora no deficit primário do governo central tem ocorrido em razão de uma combinação de fatores: queda nas receitas pelo enfraquecimento da atividade econômica e de renúncias e adiamentos na cobrança de tributos, pelo governo, para melhorar ao caixa das empresas. De outro lado, as despesas cresceram para atenuar os impactos da crise sobre a renda das pessoas e para o tratamento dos infectados pelo vírus. Mas essa deterioração tem sido cada vez menor em razão da melhora registrada na arrecadação a partir de agosto e da menor pressão sobre os gastos, principalmente por causa da redução dos valores pagos no auxílio emergencial.
No Relatório do Tesouro Nacional (RTN), o governo destaca que as despesas contra a covid-19 devem ser circunscritas ao exercício de 2020. Mas a IFI frisa que a materialização de alguns riscos, como uma nova onda de contaminação pelo coronavírus, pode obrigar o governo a rever essa diretriz, o que estenderia os efeitos da pandemia para 2021, pelo menos. Assim como uma interrupção da retomada da atividade econômica com a retirada abrupta dos estímulos concedidos, afetaria a recuperação da arrecadação
“O crescimento do número de infecções em novembro e dezembro acende um sinal de alerta, diante das incertezas e da falta de um plano para a imunização de toda a população brasileira em 2021. Assim, uma eventual interrupção da retomada da economia, com manutenção da taxa de desemprego em níveis relativamente elevados, poderia aumentar as pressões para que o governo retomasse o pagamento do auxílio emergencial a pessoas em situação de vulnerabilidade. Isso, por sua vez, aumentaria a despesa em um contexto de pouco espaço para acomodar novas ações dessa natureza no âmbito da regra do teto de gastos da União e na ausência de propostas que endereçassem essa questão”, analisa o RAF.
Despesas da pandemia
Ao analisar a evolução em 12 meses da despesa primária total da União, a IFI conclui que, na ausência dos gastos relacionados à pandemia, a despesa do governo estaria alinhada aos níveis observados em 2018 e 2019.
O cálculo descontou, da despesa primária, o montante de R$ 468,9 bilhões, informado pelo Tesouro Nacional, dos gastos com enfrentamento à pandemia. E também foram desconsideradas despesas da União, em dezembro de 2019, com a capitalização de empresas estatais e a revisão do contrato da cessão onerosa.
Até o início de dezembro, 85% das despesas autorizadas para o combate à pandemia haviam sido pagas. Parte do que não for pago em 2020 poderá ser executada em 2021 por meio de restos a pagar. Por serem derivados de créditos extraordinários abertos em 2020, esses gastos não estariam sujeitos ao teto de gastos de 2021. O uso dos restos a pagar poderá ser relevante, por exemplo, nas despesas da área da Saúde, como as destinadas à vacinação, diz o relatório da IFI.
Orçamento
Na seção de Orçamento, o RAF destaca que o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2021 (que deveria ser votado no primeiro semestre) deverá ser votado esta semana, mas diversas etapas importantes não serão observadas. Já o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) deve ficar para o início de 2021.
Sem a aprovação do Orçamento, no início de 2021 haverá execução provisória do PLOA, disciplinada pela LDO. Nesse período, a maior parte dos gastos pode ser realizada normalmente. As regras limitam especialmente os gastos discricionários, mas, mesmo nesses casos, despesas da Saúde e da Defesa Civil, por exemplo, estão resguardadas
“Recente decisão do TCU indica que uma parte dos gastos necessários em saúde e talvez no próprio auxílio emergencial poderá ser viabilizada em 2021 por meio de restos a pagar dos créditos extraordinários editados em 2020”, destaca o relatório.
Fonte: Agência Senado