O Senado aprovou nesta quarta-feira (29) a medida provisória 869/2018 que recria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). A criação do órgão havia sido vetada pelo então presidente Michel Temer na sanção da lei que trata do tema (Lei 13.709/2018). A MP busca dar mais proteção aos dados pessoais e estabelece exceções em que o poder público poderá repassar os dados à iniciativa privada, desde que o fato seja comunicado antes ao novo órgão. Aprovada na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 7/2019, a MP agora segue para a sanção da Presidência da República.
De maneira geral, a transferência de dados das bases do poder público para entidades privadas é proibida, mas o texto final da MP inclui outras duas exceções: quando houver previsão legal ou a transferência for respaldada em contratos, convênios ou instrumentos congêneres; e na hipótese de essa medida ter o objetivo exclusivo de prevenir fraudes e irregularidades ou proteger a segurança e a integridade do titular dos dados, desde que vedado o tratamento para outras finalidades.
Segundo o relator na comissão especial, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), as mudanças são necessárias para viabilizar serviços como arrecadação tributária, pagamento de benefícios e bolsas e implementação de programas. Entretanto, ele manteve no texto a necessidade de a autoridade nacional ser informada sobre essa transferência de dados. A MP também prorroga o início da vigência da nova lei, de janeiro para agosto de 2020.
A comissão mista especial que analisou a matéria foi presidida pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO) e teve o senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) como relator-revisor. Para ele, não há dúvida sobre os benefícios de uma era mais tecnológica e conectada. Rodrigo Cunha ponderou, porém, que há riscos de mau uso desses dados no tráfego de informações. Por isso, registrou o senador, a importância da medida provisória que, entre outras coisas, garante autonomia à ANPD.
— Os dados bem trabalhados valem milhões e muitas vezes o consumidor tem suas informações comercializadas sem saber. Daí a necessidade de debruçarmos sobre esse tema. O foco que nós, legisladores, precisamos ter é proteger o cidadão — declarou Rodrigo Cunha.
A matéria foi aprovada na Câmara dos Deputados nessa terça-feira (28) e perderia a validade no próximo dia 3 de junho. Veja abaixo alguns dos principais pontos da MP.
Dados sensíveis
O uso de dados pessoais sensíveis (origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato, por exemplo) para obter vantagem econômica, é vedado, de forma geral. O texto permite o uso compartilhado entre controladores de dados com objetivo econômico somente se a troca de dados for necessária para a prestação de serviços de saúde e de assistência farmacêutica ou à saúde, incluídos o diagnóstico e a terapia, em benefício dos interesses dos titulares dos dados.
Esse compartilhamento sem consentimento antecipado do titular na área de saúde deverá permitir a execução de transações financeiras e administrativas resultantes do uso e da prestação desses serviços. A ideia é permitir o compartilhamento de dados sensíveis entre diversos prestadores e profissionais de serviços de saúde e autoridade sanitária em benefício do titular.
Por outro lado, o relator acatou sugestão com base em audiências para proibir às operadoras de planos privados de saúde o tratamento de dados sensíveis para praticar seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade ou na exclusão de beneficiários. Orlando Silva quer evitar que o tratamento de dados sensíveis leve à negativa de acesso ou ao “encarecimento injusto do plano de saúde”.
Informação dispensada
A MP também dispensa o poder público de informar ao titular dos dados (pessoa natural ou jurídica) sobre as situações em que poderá haver tratamento de seus dados para o cumprimento de obrigação legal (Fisco, por exemplo) ou regulatória, como agências. De igual forma, a administração não precisará mais informar ao titular dos dados sobre tratamento necessário à execução de políticas públicas previstas em lei ou em convênios.
Segurança de Estado
A Lei 13.709, de 2018, chamada agora pelo texto de Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP), prevê que o tratamento de dados para determinados fins não será submetido às suas regras — caso daquele realizado para segurança pública, defesa nacional e segurança do Estado, ou atividades de investigação e repressão de infrações penais.
Com a MP original, a autoridade nacional recriada não deveria mais emitir opiniões técnicas ou recomendações sobre essas exceções, nem solicitar aos responsáveis relatórios de impacto à proteção de dados pessoais. Orlando Silva reverteu essa mudança e manteve a atribuição da ANPD. O novo texto permite ainda a pessoas jurídicas de direito privado controladas integralmente pelo poder público, tratarem a totalidade dos dados constantes dos bancos criados para essas finalidades, caso do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), estatal federal.
Revisão por pessoa
A revisão de dados por pessoa natural dependerá, segundo o projeto de lei de conversão, de regulamentação da ANPD, que levará em consideração a natureza e o porte da entidade gestora ou o volume de operações de tratamento de dados. O texto original da MP excluía a possibilidade de revisão por pessoa natural, como exigido na lei. Agora a regulamentação definirá em quais casos deverá haver revisão por um ser humano e não por algoritmos computacionais.
Correções e informação
O projeto de conversão estabelece duas exceções quanto à obrigação de o responsável pelo tratamento de dados informar outros agentes com os quais tenha compartilhado o conteúdo sobre as correções, eliminações ou bloqueio de dados pedidos pelo titular. O repasse dos pedidos do titular não precisará ocorrer se for “comprovadamente impossível” ou implicar em “esforço desproporcional”.
Outra mudança na lei é a proibição de o poder público compartilhar, seja com outros órgãos públicos ou com pessoas jurídicas de direito privado, os dados pessoais de requerente que invocou a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, de 2011).
Foto: Waldemir Barreto/ Agencia Senado