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Pressionada, a área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou dezenas de inconsistências e ilegalidades nas regras da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para o leilão do 5G que o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN), remarcou para outubro, depois de dois adiamentos por atrasos no processo.

Os auditores avaliaram que a precificação da faixa de frequência de 3,5 GHz, a mais nobre da tecnologia de quinta geração, apresenta falhas. Frequências são avenidas no ar por onde as operadoras fazem trafegar seus sinais. Fora delas ocorrem interferências. Essa consideração do TCU preocupa a Anatel porque será preciso mais tempo caso seja necessário refazer a modelagem da precificação dessa faixa —e isso pode atrasar o cronograma do ministro.

Uma das evidências dessa inconsistência é a quantidade prevista de antenas no estudo da Anatel que resultou na precificação da faixa de 3,5 GHz. Em alguns casos, ela chega a ser oito vezes maior do que o necessário, segundo o relatório do TCU obtido pela reportagem.

Outro ponto que gerou desconfiança dos auditores foi a informação enviada pela própria Anatel de que somente 60 cidades têm potencial econômico para arcar com planos de telefonia 5G nessa faixa de frequência.

Reproduzindo a metodologia da agência, os auditores prepararam uma lista de cidades que ficariam fora do radar comercial das operadoras. Dentre elas estariam as capitais Brasília, Salvador, Curitiba, Manaus, Goiânia e Porto Alegre, além de Campinas e Ribeirão Preto (SP) e outras com elevado poder aquisitivo.

“O resultado final da modelagem proposta mostra-se, no mínimo, contraditório frente à expectativa em termos de retorno econômico para o 5G, em especial associado à faixa de 3,5 GHz, sendo um indicativo de distorção do modelo estabelecido”, disse o TCU.

Os casos mais graves, no entanto, se referem a duas ilegalidades que, segundo os auditores, precisam ser sanadas. Os auditores da Secretaria de Infraestrutura do TCU propuseram a exclusão de duas obrigações de investimentos cruciais para o governo: a construção de uma rede privativa para a administração pública federal —solução do ministro das Comunicações para evitar o banimento da Huawei— e o programa de conexão de internet na Amazônia (Pais), um pleito de R$ 1,5 bilhão defendido pelos militares.

Ambos foram considerados ilegais com base na Lei Geral das Telecomunicações. Por isso, em vez de essas obras serem abatidas do preço das licenças, calculadas pela Anatel em R$ 45,6 bilhões, terão de ser incorporadas ao preço do leilão a ser pago pelas operadoras vencedoras.

De acordo com os auditores, a legislação só permite investimento obrigatório em processos licitatórios quando o projeto é de interesse público. Em ambos os casos, eles não atingem essa finalidade prevista na lei, segundo os técnicos.

A rede privativa, por exemplo, seria construída pelas operadoras para os órgãos da administração pública federal. Para o TCU, ela não pode ser custeada pelas operadoras. Caso o governo insista em levá-la adiante, terá de destinar recursos do próprio Orçamento para tal.

Como esse dinheiro terá de ser retirado dos investimentos obrigatórios, deverá ser incorporado ao preço das licenças.

Além desse ajuste, outros reparos foram feitos nos compromissos de R$ 37 bilhões em investimentos de forma que a expectativa de arrecadação do governo deve saltar para R$ 8 bilhões —antes girava em torno de R$ 2,5 bilhões.

Essa situação coloca em xeque a solução do ministro Fábio Faria, que viu na rede privativa uma forma de evitar o banimento da chinesa Huawei, maior fabricante global de equipamentos de telecomunicações, das redes comerciais.

As operadoras são contrárias a qualquer tipo de restrição à fornecedora porque defendem suas redes. Com o banimento, seria preciso trocar todos os equipamentos já instalados de tecnologias anteriores (2G, 3G e 4G) porque os equipamentos dos concorrentes não conversam com o aparato da Huawei. A operação é considerada insana pelas operadoras –custaria ao menos R$ 100 bilhões e levaria o menos dois anos para ser concluída.

A situação chegou a esse ponto porque Jair Bolsonaro se alinhou ao ex-presidente dos EUA Donald Trump na disputa comercial com a China. A Huawei foi escolhida como um dos alvos.

O governo do presidente Joe Biden não fez arrefecer essa pressão sobre o Planalto. Há cerca de dez dias, representantes do governo dos EUA vieram tentar convencer Bolsonaro e os militares do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) de que nos EUA essa rede só funciona quando ocorrem falhas nas redes comerciais.

Também disseram que não é possível garantir a segurança dessa rede privativa se as redes das operadoras estiverem operando com equipamentos da Huawei.

A área técnica do TCU apontou ainda problemas no cálculo da operação de limpeza da faixa de 3,5 GHz, frequência hoje utilizada por satélites e parabólicas.

Essa operação, que prevê a migração desses equipamentos para outra frequência e a blindagem dessa faixa para evitar interferências de celulares (que passarão a operar nessa faixa), deve custar R$ 4,1 bilhões, segundo a Anatel, valor que os auditores do TCU consideram que superdimensionado.

Os compromissos de investimento atrelados a essa frequência também foram questionados. Os auditores verificaram outros problemas nos investimentos obrigatórios referentes a essa faixa. Para eles, a Anatel impôs as mesmas contrapartidas (que serão abatidas do preço das frequências) nos municípios sem potencial econômico.

O resultado é um risco de serem realizados até R$ 13,5 bilhões em investimentos redundantes, dinheiro que poderia estar sendo revertido para o caixa da União em um momento de aperto orçamentário.

Houve ainda um aumento estimado em R$ 4 bilhões nos investimentos para os blocos regionais da faixa de 3,5 GHz sem que houvesse previsão no texto do edital.

No parecer, os técnicos reclamaram da pressão exercida pelo ministro das Comunicações que, em junho, esteve em reunião com o ministro Raimundo Carreiro, relator do caso no TCU, cobrando uma data para o julgamento do processo pelo plenário.

Pelo regulamento, a área técnica teria até 75 dias para entregar o relatório para o ministro. Faria queria realizar o leilão em julho, como tinha prometido publicamente, mas para isso os técnicos só teriam tempo para apontar os riscos potenciais.

Diante disso, conseguiram um pouco mais de prazo para analisar os méritos de cada regra. O ministro Carreiro não precisará acatar todas as indicações da área técnica mas, se decidir recusá-la, terá de indicar que optou por um caminho diferente e justificá-lo.

Os conselheiros da Anatel estão preocupados caso haja mudança significativa na precificação das faixas e dos investimentos. Isso consumiria mais tempo e empurraria o leilão para o final deste ano, uma atraso de um ano à data inicial anunciada pelo governo.

*Com informações da Folhapress