Não é de hoje que os videogames estão transformando a indústria do entretenimento. O primeiro console do mundo, o Magnavox Odyssey, foi lançado em 1972, nos Estados Unidos, por US$ 100. Apesar das limitações da época, o aparelho – que não reproduzia sons e era compatível com alguns poucos tamanhos de TV – vendeu 100 mil unidades em apenas seis meses. O número é relativamente baixo em comparação às atuais vendas de gigantes como Xbox e Playstation – apenas no primeiro ano fiscal após o lançamento, o PS5 vendeu 7,8 milhões de unidades – mas, para a época, o Odyssey representou uma novidade promissora e abriu caminho para o que viria a se tornar um mercado global de jogos eletrônicos.
“Os games são um fenômeno cultural que, há muito tempo, deixou de ser uma simples tendência. Já é uma indústria consolidada, que se desenvolve muito mais rapidamente do que as demais. Em alguma medida, todo mundo é gamer, seja jogando profissionalmente, seja se divertindo ou passando tempo no metrô com o Candy Crush”, diz Fernanda Lobão, CEO e cofundadora da Final Level, uma das maiores plataformas de entretenimento gamer do país, que se posiciona como ponto de encontro da comunidade em um único lugar: as redes sociais.
“Os games não são apenas uma distração. É uma cultura, traz elementos históricos e tem um poder de educação muito grande. Diferente das mídias passivas, os usuários estão ativos nos jogos online, construindo uma narrativa em tempo real. Isso é, muitas vezes, mais atrativo do que o cinema ou a televisão”, explica Rodrigo Terra, presidente da Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais).
Segundo os especialistas, a indústria já percebeu o potencial do setor. Cada vez mais, agências de marketing e publicidade estão apostando em conteúdos gamificados para chamar a atenção do público e aproximá-lo das marcas. O mesmo acontece na saúde e na educação, com o uso de plataformas interativas para engajar pacientes e estudantes ao redor do mundo.
“Os jogos online criam um senso de pertencimento muito forte. Cada jogo tem a sua gíria, estilo e comportamento. As pessoas encontram outros usuários semelhantes, que compartilham o mesmo gosto e entusiasmo, e se identificam”, diz Fernanda. Para a executiva, a tecnologia é peça-chave para fortalecer a comunidade, por permitir que jogadores de todos os cantos do mundo interajam entre si, mesmo sem nunca terem se encontrado pessoalmente.
O grande motivador é o jogo. Seja qual for o objetivo – atacar zumbis, correr pelo Reino dos Cogumelos, construir blocos ou apenas sobreviver -, os jogadores discutem estratégias e entregam-se de corpo e alma às narrativas, engajando de tal forma que a indústria opera em uma via de mão dupla: os games são feitos para eles, mas os usuários também contribuem para a construção da experiência.
Ao longo dos anos, o perfil da comunidade mundial mudou. Se antes a indústria era dominada por homens jovens, hoje cerca de 51,5% dos gamers são mulheres, segundo a pesquisa Game Brasil 2021. Curiosamente, a faixa etária dominante entre os dois públicos não é a dos adolescentes. Segundo o levantamento, jogadores entre 20 e 24 anos representam 22,5% do total, seguidos das faixas entre 25 e 29 anos (18,6%), 30 e 34 (16,7%), 35 e 39 (12,9%) e 40 e 49 (12,2%). O levantamento revela que jovens de 16 a 19 anos são apenas 10,3% do total.
O atrativo ultrapassou os limites dos próprios jogos, e alcançou também outras plataformas de criação de conteúdo. Em 2019, O YouTube divulgou a lista “YouTube Gaming”, e identificou que os jogos mais buscados na plataforma no Brasil eram “Minecraft”, “FreeFire”, “GTA”, “Roblox”, “League of Legends”, “PUBG”, “Sonic The Hedgehog”, “Counter-Strike” e “Pokemón”. Em abril de 2020, o “Fortnite” sozinho somou mais de 3,5 bilhões de horas de jogos disputados e acumulou mais de 350 milhões de usuários registrados no canal.
De olho na influência que os jogos têm na sociedade, artistas globais já levaram suas apresentações para o mundo virtual, como é o caso do DJ Marshmello, que organizou um evento ao vivo no “Fortnite” em 2019, que contou com mais de 10 milhões de jogadores conectados simultaneamente. No ano seguinte, foi a vez do rapper norte-americano Travis Scott, que atraiu mais de 12,3 milhões de usuários em sua apresentação virtual na plataforma. O DJ e produtor musical Alok virou personagem do “FreeFire” e, em 2020, transmitiu uma live diretamente da plataforma.
Em paralelo ao sucesso dos games atuais, o retrogaming também está ganhando peso no mercado. A categoria refere-se aos jogos antigos, que despertam a nostalgia de um público mais velho – e igualmente entusiasta deste universo. “A primeira vez que joguei um Atari foi aos sete anos e, desde então, não parei mais de colecionar”, diz Marcelo Tavares, CEO e fundador da Brasil Game Show. Hoje, aos 42 anos, o executivo tem um acervo de 350 consoles de todas as gerações e cerca de 4.000 jogos. “O que me atrai nos jogos antigos é acompanhar a evolução tecnológica e a história, além de elementos que marcaram a minha vida ou até mesmo inovações que acabaram não dando certo”, explica.
Assim como os filmes fotográficos e discos de vinil, os retrogames movimentam o mercado em direção ao saudosismo, valorizando cada vez mais aquilo que foi sucesso no passado. Os números confirmam: em agosto deste ano, um cartucho de “Super Mario Bros.” foi comprado por US$ 2 milhões – quase R$ 10,5 milhões – por um colecionador anônimo. Com a operação, o jogo lançado em 1985 bateu o recorde como o mais caro da história, segundo o jornal “New York Times”. Outra venda que chamou a atenção do mercado foi a de um cartucho lacrado do primeiro “The Legend Of Zelda”, vendido por US$ 870 mil em julho de 2021.
“Pac-Man”
Criado pelo japonês Tōru Iwatani, o “Pac-Man” chegou aos arcades no início dos anos 1980. Alguns meses depois do lançamento no Japão, o game chegou aos Estados Unidos, onde chamou a atenção do mundo inteiro, para, em seguida, transformar-se em um fenômeno da cultura pop.
Apesar do design simples, com um pequeno boneco amarelo fugindo de fantasmas em um labirinto, o jogo acumulou, nos primeiros dez anos, US$ 1 bilhão somente nos fliperamas dos EUA. Estima-se que, ao longo da década seguinte, o valor tenha alcançado US$ 2,5 bilhões e, até 2015, tenha ultrapassado os US$ 12,8 bilhões ao redor do mundo.