O futebol brasileiro está em busca de profissionalização. Desde a criação da lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), em 2021, sete times decidiram embarcar no modelo. A partir do momento em que a equipe migra para o formato SAF, ela passa a ser tratada como empresa, podendo receber investimentos externos e até passar por aquisições, o que aconteceu com Cruzeiro e Bahia.
Um levantamento exclusivo para a Forbes realizado pela RB Investimentos mostra que cinco times brasileiros já têm um faturamento compatível com a listagem em bolsa (ainda que esse não seja o único critério para definir a entrada de uma companhia no pregão). Um deles é o Flamengo. Se a equipe carioca estivesse na B3, ela teria registrado o 227º maior faturamento em 2022, totalizando R$ 1,1 bilhão e superaria as receitas de empresas como Iguatemi, Eztec, Gafisa e Wiz.
O Palmeiras, que conta com o segundo maior faturamento entre os times brasileiros, ficaria na 253ª colocação entre as companhias listadas, com receita girando em torno de R$ 867 milhões no período analisado. Corinthians e São Paulo vem em seguida na lista, com R$ 777 milhões e R$ 661 milhões em faturamento, respectivamente.
“Os clubes de futebol começaram a caminhar para receitas mais estáveis a partir do momento que ficaram mais estruturados”, afirma Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. “O único ponto que joga muito contra é o rebaixamento, em qualquer campeonato do mundo, perder o patamar dos direitos de transmissão da primeira divisão faz muita diferença financeira.”
Balanço vermelho
Porém, existe o outro lado da moeda, o das dívidas. Em julho, Forbes divulgou um relatório da consultoria EY que mostrou que os times de futebol brasileiros encerraram 2022 com dívidas somadas de R$ 11 bilhões. Se fossem empresas, elas estariam muito endividadas em relação a seu faturamento, o que pode impedir uma eventual listagem em bolsa.
No entanto, para Pedro Daniel, diretor executivo de Esporte e Entretenimento da EY, existem outros fatores muito mais importantes do que a dívida para serem considerados nesse momento. “É comum fazer a relação da dívida com a falta de saúde da companhia, mas isso não é uma verdade absoluta. Uma empresa pode estar muito endividadas, mas se tiver uma geração de caixa forte e a dívida estiver equalizada, isso não será determinante”, afirma o executivo. “A estrutura de governança do clube, sua prestação de contas, auditoria e outros fatores são mais importantes na hora de avaliar uma companhia do que apenas o retrato de sua dívida.”
Para Daniel, ainda falta uma regulamentação mais forte para o setor. O melhor exemplo é o da Europa, onde a legislação limita os investimentos a 30% do faturamento do ano anterior. “Hoje, os clubes recebem esses investimentos das SAFs, mas não tem um direcionamento do que fazer com esse dinheiro. Com uma regulamentação, os clubes menores e que têm menos dinheiro conseguiriam se ‘proteger’, enquanto os maiores teriam mais facilidade para lidar com o seu poder financeiro, o que evitaria o crescimento de dívidas como um todo.”
Sem esses requisitos, o executivo não vê nenhum clube brasileiros fazendo um IPO no curto prazo.
Cruz, da RB Investimentos, concorda que a gestão é um ponto fraco. “A complexidade do gerenciamento financeiro dos clubes é evidente. Eles precisam encontrar um equilíbrio entre investir para melhorar o desempenho esportivo, manter a infraestrutura e gerir suas obrigações financeiras. Isso exige estratégias sustentáveis para garantir a saúde financeira a longo prazo e evitar crises que possam comprometer a estabilidade do clube”, diz.
O mercado vai entrar em campo?
De acordo com o parecer divulgado pela CVM sobre as SAFs na semana passada, a lei abre portas para o mundo do futebol e o de capitais se encontrarem. “A Lei da SAF permite trazer o futebol para um ambiente de empresarialidade, criando novas atividades e oportunidades para o esporte”, afirma João Pedro Nascimento, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “O Brasil tem protagonismo indiscutível nesta seara e a estrutura do direito societário, do mercado de capitais e das finanças corporativas está preparada e de portas abertas para a indústria do futebol.”
Com a nova movimentação do órgão, as SAFs podem captar recursos por meio de oferta pública de ações (IPO), debêntures, fundos de investimento, securitização e crowdfunding. Os instrumentos podem ajudar a capitalizar os clubes e a balancear as dívidas, que não são poucas.
Porém, para isso existem regras. Os clubes que decidirem entrar para o mercado de capitais precisarão seguir alguns requisitos. Na parte de governança, a CVM afirma que “o acionista controlador de uma SAF não poderá deter participação, direta ou indireta, em outra SAF”.
Além disso, os pedidos de IPO deverão contar com uma classe específica de ação ordinária, denominada em sua legislação própria de Classe A, para subscrição exclusiva pelo clube ou pessoa jurídica original constituinte da SAF. A empresa também deverá emitir fatos relevantes sobre suas movimentações, como qualquer outra companhia listada faz.
*Por Forbes