A população trans brasileira enfrenta uma série de desafios no dia dia, a começar pela manutenção da própria sobrevivência. Segundo relatório anual da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil), o País teve 175 assassinatos de transexuais em 2020. A taxa equivale a uma morte a cada dois dias. Somos, aliás, a nação que mais mata trans no mundo. E o mesmo preconceito que mata também exclui. Quem se encaixa nessa definição de gênero encontra dificuldades extras para ingressar no mercado de trabalho, fator que contribui ainda mais para a marginalização.
A SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania) da Capital divulgou no início deste ano o Mapeamento das Pessoas Trans no Município de São Paulo. Segundo o estudo, mais da metade dos entrevistados (57%) não está preparada para o ingresso no mercado. Isso porque o acesso aos cursos profissionalizantes depende da conclusão do Ensino Médio, o que não inclui boa parte dessa parcela. Além disso, mesmo a posse de cursos, diplomas universitários e outras certificações não garante emprego aos transexuais e nem a obtenção de uma vaga em suas áreas área de especialização.
No que se refere à principal ocupação exercida por essa população, destaca-se o percentual elevado de travestis (46%) e de mulheres trans (34%) que se declararam profissionais do sexo.
O trabalho sem vínculo empregatício também é uma realidade. Cinquenta e oito por cento realizam trabalho informal ou autônomo, de curta duração e sem contrato. Apenas 27% têm emprego formal com carteira de trabalho assinada e 10% desenvolvem atividades como microempreendedor individual. Um percentual muito pequeno são empregadores/profissionais liberais (3%) e funcionários públicos (2%).
“A questão da baixa escolaridade e falta de capacitação é um problema geral no Brasil, uma vez que aqui não se prioriza a educação. A grande questão que explica a dificuldade específica da população trans em ingressar no mercado é o preconceito”, afirma Márcia Rocha, cofundadora do Transempregos, site de divulgação de vagas voltadas a esse público.
Para ela – que também é trans – a realidade no mundo corporativo só vai mudar quando a sociedade mudar como um todo. “Me refiro não só às empresas ou as escolas, mas ao todo. Precisamos fazer com que as pessoas olhem com bons olhos para nós, como sendo seres humanos iguais a quaisquer outros. E isso deve acontecer não por força da lei apenas. É um trabalho lento, mas aos poucos está acontecendo.”
INICIATIVA DE SUCESSO
O Transempregos surgiu em 2014 com o objetivo de ajudar os transexuais a conquistar uma posição no mercado. “A ideia surgiu em conversa com um pequeno grupo de pessoas. Notávamos que quando alguém se assumia trans ele perdia o emprego e não conseguia outro. Se ele se assumisse jovem, sofria bullying e muitas vezes desistia dos estudos”, diz Márcia.
O negócio começou tímido. De agosto a dezembro daquele ano, o site conseguiu inserir apenas uma pessoa no mundo corporativo. Após o convite para participar de um fórum LGBT promovido por empresas multinacionais, porém, o projeto tomou fôlego. “Começamos a engajar as companhias e elas começaram a nos dar feedbacks muito positivos. Aos poucos foram percebendo que as pessoas trans tinham uma ótima formação, mas ninguém as dava uma chance.”
Hoje, a Transempregos conta com 800 empresas parceiras. Apenas em 2020, foram 707 contratações por meio da plataforma, mesmo em um cenário de crise e pandemia.
Márcia afirma que conta com 20 mil currículos cadastrados. Quarenta por cento dos candidatos têm nível superior. Outros 30% têm Ensino Médio completo ou nível técnico.
O setor que mais absorve pessoas trans que buscam emprego por meio do site é o de telemarketing, mas há possibilidades em diversas áreas. “Está havendo uma mudança não só em relação à população LGBT, mas às mulheres, negros e outros. E garanto: as empresas que não estão abertas à inclusão vão sofrer logo mais”, avalia Márcia.
DIVERSIDADE NO SANGUE
A Escale, startup de aquisição de clientes especializada em setores de serviços essenciais, já entendeu a importância da pluraridade do time e faz dela um de seus pilares.
“Nossa crença sempre foi de que não basta respeitar, a gente tem que diariamente celebrar a diversidade e buscar estratégias ativas para aumentar a atuação nessa área. E isso vai muito além de um ponto de vista de negócios. Já não é novidade que uma empresa diversa é mais lucrativa, mas por aqui acreditamos muito mais na diversidade por questão de responsabilidade diante de um contexto gritante de desigualdade”, afirma a empresa.
Só no ano passado, a startup promoveu mais de 17 talks sobre o assunto, lançou uma newsletter quinzenal para sensibilização e engajamento e instituiu o time de D&I (Diversidade e Inclusão), com especialistas no tema. “Encontrar pessoas diversas para a organização é um passo essencial, mas garantir que todas sejam respeitadas e devidamente incluídas é o que faz a diferença.”
Em 2020, 35% das contratações na Escale aconteceram dentro dos critérios de diversidade, mas a meta é ampliar ainda o programa de inclusão. “A ideia é crescermos a nossa estratégia de forma ampla, garantindo engajamento integral de toda a liderança, criando uma estrutura de acompanhamento de dados, investindo em treinamentos internos, reforçando a cultura geral de transparência e empatia e fechando ainda mais parcerias para atração de talentos.”
*Por Marilia Montich/Metro Jornal