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Três meses depois de sair do comando da Secretaria Especial de FazendaWaldery Rodrigues deixou em definitivo a equipe econômica assistindo pelo retrovisor a uma nova versão dos mesmos problemas que levaram aos momentos mais turbulentos de sua passagem pelo Ministério da Economia.

Sua exoneração do cargo de assessor especial, que ocupava desde a saída da Fazenda, foi oficializada na última terça-feira, 3. Ele afirma ter sido uma decisão pessoal, mas reconhece certo peso da proximidade do calendário eleitoral em sua escolha de deixar a pasta.

Em 27 de abril, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, desceu de seu gabinete para anunciar a troca em uma das secretarias mais importantes do órgão, a polêmica era a sanção do Orçamento de 2021 e a necessidade de vetar recursos de diversas áreas para acomodar um acordo político que rendeu aos parlamentares R$ 16,5 bilhões em indicações de emendas para seus redutos eleitorais.

Antes disso, Waldery já colecionava desgastes provocados pela tentativa de arrumar espaço fiscal para bancar o aumento do Bolsa Família, que até hoje não saiu. Em setembro de 2020, as soluções aventadas pela Economia eram limitar o pagamento de dívidas judiciais (os chamados precatórios), opção que voltou à mesa quase um ano depois, ou congelar o valor de aposentadorias por um ou dois anos, sugestão que levou o presidente Jair Bolsonaro a ameaçar com “cartão vermelho”.

Ao Estadão/Broadcast, o ex-secretário conta detalhes dos momentos mais turbulentos e admite que a perspectiva de aumento da pressão política por recursos na reta final do mandato teve seu peso na decisão de deixar o cargo. Mas ele rechaça que tenha sido o destinatário do “cartão vermelho” indicado pelo presidente a quem falasse em segurar reajustes de aposentadorias.

Waldery também ressalta por diversas vezes que não há por que falar em demissão do cargo, uma vez que ele já teria acertado sua saída da Fazenda desde dezembro de 2020 para ocorrer dali seis meses.

“Eu antecipei (a saída), motivado fundamentalmente pela questão familiar, em dezembro do ano passado, como também já sabia que esse ciclo político traz maiores pressões para os dois últimos anos de governo. Coloquei isso no radar, não era o fator decisivo, mas eu sabia que essas questões viriam. Elas já estavam (no radar) e voltaram, até com maior intensidade”, diz Waldery.

Para o ex-secretário, os desafios colocados para o Orçamento de 2022 são maiores do que nos primeiros anos do governo, o que inclui o impasse sobre os precatórios, como são chamadas as dívidas judiciais reconhecidas após sentença definitiva.

“É uma discussão que vai exigir da equipe do Ministério da Economia muito equilíbrio, porque você tem de um lado a necessidade de manter a segurança jurídica e a sinalização de que a União cumpre com suas obrigações e, de outro, o fato de que um precatório de quase R$ 90 bilhões supera toda a despesa discricionária do governo federal. Tirando as emendas, a discricionária é algo da ordem R$ 71 bilhões”, afirma Waldery.

Para ele, o precatório é uma dívida “líquida e certa” e, por isso, tem de ser honrada. O governo pretende parcelar o pagamento, o que tem sido visto como um calote. “A questão é em que prazo ela é atendida, e aí é uma discussão muito mais política do que econômica. Ela tem que ser cumprida, isso não há dúvidas. Tem que ver a constitucionalidade desse processo, mas do ponto de vista econômico, isso não pode sinalizar uma não capacidade da União de honrar compromissos”, diz o ex-secretário. Ele reconhece, porém, que um alto volume dessas dívidas dificulta a boa gestão fiscal.

Demissão

Eram pouco antes das 10h daquela terça-feira, 27 de abril, quando Waldery começou a receber alertas de notícias informando que ele estaria prestes a ser demitido da Secretaria Especial de Fazenda pelo ministro Paulo Guedes. A mudança na equipe seria o desfecho de um processo conturbado de sanção do Orçamento de 2021.

Guedes conversa com o então secretário Waldery Rodrigues durante depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. © Dida Sampaio/Estadão – 27/3/2019 Guedes conversa com o então secretário Waldery Rodrigues durante depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

O Congresso havia maquiado despesas obrigatórias, que o governo não pode deixar de pagar, para turbinar emendas parlamentares. A equipe econômica recomendou o veto de R$ 18 bilhões, no que foi seguida por Bolsonaro após um longo e delicado processo de negociação que ameaçou até mesmo a coesão da base governista no Parlamento.

Waldery conta que estava em casa, de onde participava de uma reunião virtual com o então secretário do TesouroBruno Funchal (que viria a sucedê-lo no cargo), quando viu as notícias. Mas não conseguiu falar de imediato com o ministro. Na agenda daquele dia, Guedes tinha reuniões no Palácio do Planalto e no próprio ministério, além de uma participação no Conselho do PPI, programa responsável pelas privatizações e concessões do governo.

O então secretário foi à sede do ministério, no Bloco P da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e chegou a encontrar Guedes por volta de 15h30, no intervalo entre duas agendas, mas não conseguiu conversar sobre a situação devido à correria do dia. Um encontro definitivo ocorreu apenas por volta de 19h – nove horas após as primeiras notícias de que o então secretário estava de saída do cargo.

“Nós conversamos e eu falei diretamente: ministro, vamos colocar a verdade dos fatos. Não sei como isso daí chegou a esse ponto, mas o que interessa é a verdade dos fatos. Eu pedi para sair em dezembro, vínhamos discutindo ao logo dos meses, portanto vamos ao que tem que ser falado diretamente. Ele falou na hora, foi a resposta dele: qual é o formato que você acha que deve ser feito? Eu falei: acho que o senhor deve dar uma coletiva”, relembra Waldery.

Ao confirmar a saída de seu então secretário, Guedes atribuiu a decisão a um desgaste natural e condenou os que rotularam o movimento de “demissão”. Waldery também diz não ter gostado quando isso foi publicado e afirma não fazer sentido, uma vez que a transição já estaria sendo preparada pelo ministro, tendo o próprio Funchal como um dos candidatos à sucessão – que acabou se confirmando.

Assim como nega ter sido demitido, o ex-secretário também rechaça que tenha sido o destinatário do “cartão vermelho” ameaçado por Bolsonaro após Waldery conceder uma entrevista ao site G1 defendendo o congelamento de aposentadorias. “Não houve em nenhum momento em particular, não do presidente pelo menos, e eu tive reunião no mesmo dia com ele e o ministro, (a iniciativa de dizer) ‘ah, você não vai ficar na equipe’. Continuei trabalhando”, afirma.

Se na época Waldery optou por silenciar sobre o tema, agora ele afirma, de forma enfática, que não foi o autor da ideia de congelar benefícios. Segundo ele, era uma medida pensada e defendida por toda a equipe, inclusive pelo ministro Paulo Guedes. “A entrevista que eu dei não foi requisitada por mim. O gabinete do Ministério da Economia agendou, e eu passei essas informações como sendo uma medida possível, com seus grandes ganhos”, diz.

Na época, porém, Guedes também buscou desviar da polêmica. “O cartão vermelho não foi para mim”, disse o ministro.

“O cartão vermelho também não seria para mim porque eu não autorei (sic) essa ideia. Foi uma escolha da equipe ao projetar (a despesa) e ver as condicionantes (para ter espaço para reajustar o Bolsa Família). Em reuniões estavam presentes o ministro, eu, Mansueto (Almeida, ex-secretário do Tesouro)… ele participou de discussões iniciais ainda, e o Bruno (Funchal), claro, participou também, tanto como diretor quanto como secretário. É a equipe”, afirma Waldery ao relembrar o caso.

Por ter ocupado cargos estratégicos e com acesso a informações sensíveis dentro da administração pública, Waldery vai cumprir quarentena e, depois, pensa em aceitar algum dos convites para trabalhar na iniciativa privada. Seu órgão de origem é o Senado Federal, onde é consultor.

*Por Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes/Estadão