O governo federal vai estrear, no último ano de mandato de Jair Bolsonaro, o processo de privatização de portos públicos – prática inédita na história do País. Entre duas desestatizações e duas concessões, a previsão é de contratar cerca de R$ 20 bilhões em investimentos.
Grande parte, R$ 16 bilhões, será direcionada na venda do maior complexo portuário da América Latina, o Porto de Santos. O ineditismo e a complexidade das operações, principalmente em Santos, geram dúvidas quanto à capacidade do governo entregar essas privatizações em ano eleitoral. No Ministério da Infraestrutura, no entanto, a visão é de que as resistências, “naturais”, não devem atrapalhar a agenda da pasta. O objetivo é leiloar o Porto de Santos no segundo semestre de 2022.
“Projeto de desestatização sempre gera uma série de resistências. Faz parte do jogo. Isso não foi razão para obstrução do processo da Codesa”, afirmou o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni. “Para Santos, por ser um porto com representatividade maior, possivelmente tenhamos resistência ainda maior, mas acho que estamos com essa questão da temperatura sob controle. Resistências serão vencidas uma a uma com diálogo”, disse.
‘Teste’ no Espírito Santo
Uma das seguranças que o governo tem com a venda do Porto de Santos foi ter dado a largada das privatizações portuárias com a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), que administra os portos organizados de Vitória e Barra do Riacho e será leiloada no primeiro semestre do ano, em modelo praticamente igual ao de Santos. No caso da Codesa, o processo já foi liberado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Vários evoluções absorvidas nos estudos da companhia capixaba serão aplicadas para o caso de Santos.
Entre os avanços, Piloni destaca a resposta ao temor da classe empresarial quanto aos contratos de arrendamento, que são assinados entre poder público e companhias que operam terminais nos portos. A segurança jurídica desses negócios, uma vez que o privado assumirá o lugar do poder concedente, era um ponto de atenção. Segundo o secretário, melhorias no modelo foram implementadas durante a consulta pública da Codesa, a ponto de o TCU chegar à conclusão de que não há necessidade de mais ajustes.
Tarifas
O debate sobre a privatização dos portos também gerou receio entre usuários quanto à possibilidade de elevação de tarifas para quem usa as instalações portuárias. Para o secretário, esse é outro ponto pacificado, já que as modelagens da Codesa e do Porto de Santos contam com uma diminuição no valor de tarifas em relação ao que é praticado hoje.
Em Santos, por exemplo, a perspectiva é de que haja uma redução média de tarifa de 30%. Segundo ele, dois fatores permitem esse movimento: a otimização da empresa a partir do modelo de gestão privada; e os incentivos para que a concessionária busque ampliar as receitas com base no aumento da exploração de áreas do porto, e não com aumento de tarifa.
Com os R$ 16 bilhões de investimentos cotados para o porto, o ministério prevê, no médio prazo, o aprofundamento do canal para 17 metros, o que possibilitará a entrada de navios de 400 metros em Santos. “Isso, atrelado a outras iniciativas, como remodelação das linhas ferroviárias no porto e investimentos em contratos de arrendamento, permite que Santos possa superar expectativas de movimentar 240 milhões de toneladas de carga em 2040”, disse o secretário.
Além das duas privatizações, o Ministério também planeja, para este ano, promover as concessões do Porto de São Sebastião (SP) e do Porto de Itajaí (SC).
Concorrência
Para vender o Porto de Santos, o governo definiu regras – e estuda mais opções – para evitar o abuso de poder econômico na nova administração. A variedade de operadores e de cargas movimentadas no complexo portuário impõe a necessidade de um modelo que mitigue riscos de conflito de interesse entre as companhias que comandam terminais dentro do porto e a futura administradora deste ‘condomínio’.
Por isso, o governo ampliou o rol de empresas que terão restrições na disputa, em relação ao que foi definido para a privatização da Codesa. Nela, a regra é que operadores do porto ou do Estado do Espírito Santo não poderão participar da futura concessionária com mais de 15% individualmente ou de 40% em conjunto. Para Santos, além da restrição dirigida aos operadores, a limitação também vai afetar armadores e concessionárias de ferrovias que atuam dentro do porto. Já os percentuais se mantêm.
“Essa é a versão que vai para a consulta pública. Obviamente queremos ouvir o que se pensa sobre isso. Mas antevimos que isso pode ser um mecanismo importante de mitigação de potenciais conflitos de interesse”, afirmou Piloni. Segundo ele, a consulta pública será aberta neste mês de janeiro.
O governo também estuda outro mecanismo para evitar concentração de atividades no porto, mas ainda não tem uma posição fechada sobre a ferramenta. O que está em avaliação é uma limitação de concentração de mercado para empresas que atuam no local. A regra deve considerar peculiaridades de segmentos específicos, principalmente considerando que Santos é um porto multicargas, disse Piloni. O secretário ressaltou, no entanto, que a regra ainda está em fase de avaliação dentro do ministério.
Foto: Germano Lüders/Exame / Informações: Estadão