A ideia de criar órgãos, como pulmão, fígado e até coração, por meio de impressoras 3D pode parecer coisa de filme de ficção científica. No entanto, essa é uma possibilidade que deve se tornar realidade nos próximos 10 ou 15 anos. A estimativa é do médico e empreendedor Gabriel Liguori, Forbes Under 30 e fundador da TissueLabs, uma startup brasileira que desenvolve equipamentos e materiais para a confecção de partes do corpo humano por meio da chamada “engenharia de tecidos”, área do conhecimento que utiliza células-tronco para regenerar e fabricar órgãos.
O pontapé inicial da TissueLabs foi fruto de um dos projetos desenvolvidos no doutorado de Liguori, que criou, em 2018, um gel capaz de agrupar células e dar comandos para que elas se desenvolvam em um tecido. “Quando falamos de fabricação de tecidos, não é muito diferente da construção de uma casa”, diz. “Para levantar a construção, você vai precisar de tijolos – as peças essenciais, que são as células correspondentes do órgão – e de cimento, que é a matriz extracelular, um conjunto de proteínas que unem essas células.”
BIOTINTA E BIOIMPRESSORA 3D
Partindo do primeiro gel desenvolvido por Liguori, a TissueLabs conseguiu desenvolver, em pouco tempo, um portfólio de mais de 50 produtos focados na fabricação de órgãos, divididos entre bioimpressoras 3D e as chamadas “biotintas”. “Nossos materiais para impressão de tecidos conseguem replicar exatamente as centenas e milhares de proteínas que existem na natureza, ao contrário da maioria das empresas do setor que utilizam materiais genéricos, como colágeno puro ou gelatina”, afirma o CEO. Hoje, a healthtech possui 15 tipos diferentes de tecidos – que servem para a impressão de órgãos e partes do sistema cardiovascular, respiratório e digestivo, por exemplo – e cada um deles possui de duas a três variações de gel.
Tanto as bioimpressoras 3D, quanto as biotintas, não ficam restritas apenas à TissueLabs, que comercializa esses materiais e equipamentos para outros pesquisadores. “Entendemos que se a gente se fechasse em um laboratório por uma década para desenvolver um coração artificial, não teríamos validação externa [da comunidade científica] e que corríamos o risco de perder tempo e chegar ao fim com algo pouco eficaz”, diz Liguori. Embora as tecnologias da healthtech sejam patenteadas, isso não impediu a companhia de vender seus produtos para mais de 50 laboratórios em 14 países, totalizando quase 300 pesquisadores.
Com cerca de 15 funcionários no Brasil e na Suíça, a TissueLabs tem a perspectiva de faturar R$ 2 milhões em 2021, um crescimento quatro vezes maior do que o registrado no último ano. Liguori diz que o avanço e a escalabilidade da tecnologia dependerão não só do desenvolvimento científico, mas também do quanto a companhia conseguirá captar de investimento nos próximos anos. “Hoje nosso foco de pesquisa é naárea cardiovascular, mas podemos abrir nosso leque de opções, dependendo dos aportes que recebermos”, afirma. “Podemos olhar, por exemplo, para a criação de pâncreas para pacientes com diabetes. O universo de possibilidades é infinito.”
O grande objetivo da TissueLabs se espelha na história do seu fundador. Com poucos dias de vida, Liguori foi diagnosticado com cardiopatia congênita, uma condição que impede o coração de bombear o sangue corretamente. Aos dois anos, foi operado no Incor (Instituto do Coração) e sempre teve em mente que precisava ajudar outras crianças com a mesma complicação.
A princípio, seu desejo era sercirurgião cardíaco, mas a paixão pela pesquisa e a engenharia de tecidos mudou o seu caminho. “Quando voltei da Holanda, tive a oportunidade de começar um laboratório de pesquisa e fiquei por dois anos focado em construir um coração bioartificial para transplante”, diz. Foi a partir desse trabalho que o primeiro gel para o desenvolvimento de tecidos por impressão foi criado, abrindo portas, pelo menos em um primeiro momento, para aplicações mais palpáveis na área cardiovascular.
Segundo ele, crianças com cardiopatia, na maioria das vezes, precisam realizar uma correção nas válvulas do coração. Com o crescimento, os dispositivos implantados precisam ser trocados e, portanto, novas cirurgias são necessárias. Utilizando uma válvula criada em laboratório com material biológico, por exemplo, o tecido cresceria junto com a criança, sem necessidade de novas intervenções.
*Por Matheus Riga /tech@forbe