Se você chegou à adolescência ou se já saiu dela certamente sabe que relações de amor e ódio são difíceis de superar, mas a pandemia equacionou ao menos uma delas: a do consumidor com o seu cartão de crédito. eterna tentação para mais gastos. Os cartões e o benefício do pagamento à distância tornaram-se ainda mais populares com as quarentenas que mudaram o comportamento de consumo. Não à toa, os meios de pagamento digitais só crescem. Em 2020, movimentaram R$ 2 trilhões. Para 2021, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) prevê expansão entre 18% e 20%. Nesse ritmo, as operações com cartões de crédito, débito e pré-pagos devem chegar a R$ 2,4 trilhões – 30% do PIB brasileiro.
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A partir de 7 de junho, parte dessa montanha de dinheiro se tornará multiplicadora de crédito, atiçando a competição em um segmento de operações altamente concentradas entre bancos e credenciadoras de cartões de crédito que vão disputar um número maior de estabelecimentos comerciais, geradores de recebíveis – as faturas pagas pelos consumidores. Após três adiamentos, na segunda-feira entram em vigor novas regras criadas pelo Banco Central (BC) para a negociação desses pagamentos futuros, considerados uma das mais fortes garantias aceitas no sistema bancário para concessão de crédito.
Segundo a nova norma, todas as operações realizadas via cartão no país precisarão estar registradas em uma central de recebíveis. Para isso, o regulador autorizou algumas empresas a atuar como registradoras, uma espécie de cartório digital dos recibos de cartão de crédito. Hoje, há três autorizadas a operar: a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), fundada em 2001 e controlada pelos grandes bancos; a Central de Recebíveis (Cerc), fundada por um grupo de ex-executivos do mercado financeiro em 2015; e a TAG, criada pelo grupo Stone em 2018. “O grande objetivo dessa mudança é dar liberdade ao lojista para negociar seus recebíveis com diferentes credores. O que a registradora faz, basicamente, é reduzir a assimetria do acesso à informação”, diz Breno Moreira, líder de produtos e tecnologia da TAG.
Fernando Fontes, fundador e diretor da Cerc, pondera que a premissa das novas regras de recebíveis é a mesma do open banking: os lojistas são os donos de seus dados e só eles podem autorizar que terceiros acessem essa informação. “A vantagem é que uma vez que um banco obtém essa autorização, ele tem uma visão de mais de 50% das vendas do varejista”, afirma. A CIP entende que a qualidade da garantia é aprimorada, uma vez que, com o registro do recebível de cartões e o registro do contrato de ônus, gravame ou cessão, o recebível passa a estar vinculado ao contrato, diminuindo os riscos da operação de crédito, o que também têm um efeito positivo para induzir a redução de custos.
A expectativa é o registro modifique dois tipos de operação que impactam o fluxo de caixa dos varejistas brasileiros: a antecipação de recebíveis e o crédito com garantia de recebíveis. “Quanto mais transparência, melhor para quem vai emprestar e para quem vai tomar o crédito”, avalia Fábio Pina, economista da FecomercioSP. Ele pondera que se o lojista tiver acesso a um pool maior de instituições interessadas em antecipar seus recebíveis, as condições de crédito tendem a ser melhores. “Hoje, o varejo fica refém do banco e do emissor de cartões. E essa mudança não vai acontecer no curto prazo. Depende de o empresário perceber os benefícios e começar a negociar com novas instituições”, afirma.
O Banco Central é mais otimista e acredita que o crédito melhora já no curtíssimo prazo. “Com as novas regras para o registro de recebíveis, uma mudança complexa que exigiu esforço de todos, avançamos na competitividade da Agenda BC#, o que vai melhorar as condições de crédito no país já a partir da próxima segunda”, afirma o diretor de Fiscalização, Paulo Souza. O BC espera maior concorrência, redução do spread e aumento do volume das operações, principalmente no segmento de micro e pequenas empresas.