O funcionário público Francisco Conte Ficho, de Jaú (SP), enfim acabou com o pesadelo que o acompanhava desde criança. Aos 33 anos de idade, ele conseguiu fazer duas mudanças significativas no próprio nome. O prenome diminuiu, e o sobrenome aumentou. Antes das alterações, ele se chamava Francisco Egídio Conte.
— Quem olha de fora pode achar que essa mudança é uma besteira, um detalhe ou um capricho, mas, para mim, não é — afirma Ficho. — O nome é a sua identidade e diz quem você é e a qual família você pertence. Esse nunca foi o meu caso. Eu não me reconhecia naquele nome e naquele sobrenome. Isso me atormentava.
Ele não se sentia à vontade como Francisco Egídio porque seu pai, Egídio, teve um casamento curto com sua mãe e pouco acompanhou seu crescimento. Quando assinava, ele preferia abreviar ou simplesmente excluir o nome Egídio. Ao mesmo tempo, por ter sido criado exclusivamente pela mãe, achava injusto carregar só o sobrenome paterno, e não o materno.
Para realizar o antigo sonho, Francisco Conte Ficho recorreu a uma lei federal recentemente aprovada pela Câmara e pelo Senado e sancionada pela Presidência da República que tornou a troca de prenome e sobrenome mais simples, rápida e barata (Lei 14.382, de 2022).
O seu nome foi alterado em questão de dias. Ele decidiu emoldurar a nova certidão de nascimento e dá-la à mãe, Luzia Elizabete Ficho Conte. Assim que ela abriu a caixa e entendeu o que era o presente, ambos se abraçaram e caíram em lágrimas.
— É também uma forma de demonstrar agradecimento à minha mãe por todo o sacrifício que ela fez para me criar. Agora com o sobrenome materno, tenho a sensação de que faço mais parte da vida dela — continua Ficho, que acaba de se casar. — E fico feliz por saber que os filhos que espero em breve ter poderão ganhar o sobrenome dela.
A nova lei entrou em vigor em junho. Até então, era necessário contratar advogado, recorrer aos tribunais, apresentar uma justificativa plausível e aguardar a decisão do juiz — que poderia, no fim, não autorizar a mudança de nome.
Agora, basta apresentar o pedido diretamente a qualquer um dos 7.800 cartórios de registro civil do Brasil. É preciso ter pelo menos 18 anos e pagar uma taxa que, a depender do estado, varia de R$ 100 a R$ 400.
De acordo com um levantamento nacional feito pela Associação dos Registadores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen Brasil) a pedido da Agência Senado, graças à nova lei, perto de 5 mil brasileiros recorreram aos cartórios nos últimos seis meses para mudar o prenome — o que dá, em média, 30 alterações por dia. A entidade não tem o número de pessoas que alteraram o sobrenome.
Antes da lei, a mudança só era menos burocrática para pessoas cujo nome provocasse constrangimento ou contivesse erro de grafia, para vítimas e testemunhas de crimes que precisassem iniciar uma nova vida sem serem localizadas e para indivíduos que quisessem adotar oficialmente um apelido notório. Nessas situações específicas, os juízes costumavam liberar a troca sem maiores dificuldades.
Mais recentemente, em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou uma norma que estendeu a mesma possibilidade aos transgêneros, tendo eles feito ou não a cirurgia de redesignação sexual. Nesse caso, o que muda nos documentos oficiais não é apenas o prenome, mas também o gênero da pessoa.
Em razão da nova lei, agora até os sobrenomes podem ser modificados. Nesse caso, porém, não há total liberdade. É preciso que, no cartório, o solicitante comprove ter relação direta com o sobrenome desejado. Pode-se adotar o sobrenome do padrasto ou da madrasta, do companheiro ou da companheira com quem se tem união estável registrada ou de algum antepassado, por exemplo. O cônjuge, inclusive, pode reaver o sobrenome de solteiro mesmo mantendo-se casado.
A registradora e professora Márcia Fidelis Lima, que é presidente da Comissão Nacional dos Notários e Registradores do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), explica que, no passado, o nome precisava ser imutável porque o Estado identificava cada pessoa pelo nome e pela filiação. Não é mais necessariamente assim. Atualmente, isso é possível por meio do número de algum banco de dados unificado. Ainda que se mude o prenome, o sobrenome ou até o gênero, os números de RG, CPF e passaporte continuam sendo os mesmos.
— Em lugares públicos, já é mais comum que nos perguntem o CPF, e não o nome — ela diz. — O nome é o principal elemento qualificador da nossa personalidade perante a sociedade e, como tal, pode afetar o nosso bem-estar e criar problemas psicológicos. Já que não fomos nós que escolhemos o nome no nascimento, mas outra pessoa, é justo que ele não seja imutável e que nós mais tarde tenhamos o direito de modificá-lo se não estivermos satisfeitos.
Quando um nome é trocado, diversos órgãos do poder público são informados, como as Secretarias de Segurança Pública, a Polícia Federal e a Justiça Eleitoral. Caso a pessoa seja parte em ações judiciais, os tribunais também recebem a informação, para que possam atualizar o nome nos processos.
Como medida de segurança, a nova certidão de nascimento precisa conter a informação de que o nome foi mudado e qual era o original. Isso só não se aplica aos transgêneros, para evitar-lhes constrangimentos. Nesse caso, a certidão de nascimento traz apenas o aviso de que o registro foi alterado, sem entrar em detalhes.
— A mudança de nome é uma questão que só afeta a parte interessada e não prejudica o Estado ou outras pessoas — continua Fiscarelli. — Mesmo assim, inúmeras demandas desse tipo galgavam três instâncias e chegavam ao Superior Tribunal de Justiça, gastando tempo e dinheiro público e inundando o Judiciário com questões que poderiam ser resolvidas nos cartórios de forma transparente, rápida e barata.
Fonte: Agência Senado