O Estado de São Paulo possui um banco de dados que contém dados genéticos, incluindo espermas, de 732 estupradores. As informações estão guardadas dentro do Instituto Médico Legal (IML) localizado dentro do Hospital Pérola Byington, localizado no Centro de São Paulo, e que é referência ao atendimento de mulher vítima de violência doméstica.
As informações são utilizadas para a validação de estupros e também para a confirmação da identidade de suspeitos, além de permitirem comprovar se o suspeito já realizou outros crimes, como no caso de estupradores em série.
As informações recebidas pela polícia, a partir do relato das vítimas sobre o modo de ação do criminoso, são confrontadas com os vestígios recolhidos nas vítimas, como esperma, retirados pelos peritos do IML. Esses dados servem, por exemplo, para que seja comprovado que o suspeito cometeu o crime e eventualmente seja condenado pela Justiça.
Maníaco
São esses dados que ajudam a resolver casos como o do “maníaco do Ibirapuera”, como ficou conhecido um homem preso em setembro pela Polícia Civil investigado por ter realizado ao menos 30 estupros na Zona Sul de São Paulo.
O auxiliar de limpeza Claudio Aquino dos Santos Mariano, de 44 anos, foi identificado visualmente por pelo menos seis vítimas que haviam sido estupradas na região em que o criminoso agia. O modo de ação do criminoso era sempre semelhante: abordar a vítima na rua com uma arma, levar para dentro de um carro e estuprar. Em um mesmo dia, o criminoso estuprou três mulheres: a primeira foi por volta das 18h no Morumbi; a segunda, às 20h, na Vila Olímpia; e a última, uma adolescente, no Sacomã, à meia-noite.
O médico e obstetra Jefferson Drezett, responsável pelo atendimento das mulheres vítimas de violência sexual no Pérola Byington, explica que a mulher que procura a delegacia para denunciar um caso de estupro é levada ao hospital em uma viatura policial, acompanhada de um investigador. No hospital, ela passa por exames no IML, onde os resquícios do estupro são recolhidos e analisados. O atendimento é feito exclusivamente por peritas mulheres.
“Quanto mais tempo se passar entre a violência o exame no IML, mais você pode perder os indícios e os elementos que permitem depois a mulher decidir se quer ou não responsabilizar o agressor. A precocidade de se fazer o exame se reflete na qualidade dos resultados”, afirma o médico obstetra.
Perfis genéticos
Segundo a Superintendência da Polícia Técnica-Científica do Estado de São Paulo, o banco de dados de coleta de vestígios biológicos em casos de violência sexual começou a ser criado em novembro de 2015. “Atualmente, o sistema conta com 732 perfis genéticos extraídos de vítimas. Esses dados são arquivados e cruzados com os perfis de suspeitos desse tipo de crime”.
Toda vez que uma mulher vítima de estupro chega ao Pérola Byington, ela passa pelo Núcleo de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual (AVS), que funciona 24 horas por dia.
No local, a mulher vítima de violência sexual recebe, além de atendimento médico, psicológico e social, prevenção para gravidez, infecção de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis e tratamento genitais. O hospital também realiza atendimento de pedidos de aborto por gravidez forçada e indesejada decorrente de estupro.
“Não há um único caminho para a mulher dentro do hospital, cada caso é analisado individualmente de acordo com as circunstâncias da violência. Para receber atendimento de saúde, não é necessário apresentar boletim de ocorrência. Algumas mulheres nos procuram porque querem atendimento de saúde, contra gravidez forçada indesejada, mas não desejam procurar a polícia por qualquer motivo pessoal, e isso é respeitado”, explica Jefferson Drezett.
Já as mulheres que chegam ao hospital por outra forma, porque procuraram uma delegacia, são encaminhadas para acessar aos procedimentos do IML especializado com requisição de um delegado ou autoridade policial.
“Para passar no IML, não precisa fazer nenhum tipo mais de narrativa lá dentro do hospital, ela (a vítima) é encaminhada direto para o exame, que tem por função obter provas, elementos materiais para identificação e responsabilização do agressor”, afirma o obstetra.
“Os dados ficam arquivados aqui no IML à disposição da mulher, que decide se quer representar ou não contra o abusador, independentemente de ela querer representar ou não, já que ela não é obrigada a realizar o processo [criminal], é uma opção dela”, explica Drezett.
As mulheres que realizam exame no IML são encaminhadas, em seguida, para o pronto-socorro, onde podem realizar exames clínicos e receber a medicação contra doenças sexualmente transmissíveis.
Parceria para acolhimento
O Pérola Byinton começou em 2001 uma parceria com as secretarias de Saúde e Desenvolvimento Social para promover o que chama de “acolhimento especial e humanizado” às vítimas, denominado de programa “Bem-Me-Quer”, que busca também recuperar amenizar a situação enfrentada pela mulher e recuperar a autoestima. Não há limite de idade e nem período máximo de tratamento.
IML especial
Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública, as vítimas que procuram o Pérola Byington são atendidas apenas por legistas mulheres. No momento do exame de corpo de delito, são retirados resquícios ou indícios do abuso sexual. No caso de identificação do material genético do abusador, este material é guardado para que futuramente a mulher possa denunciar o crime, caso deseje, e também permitir novas investigações sobre estupradores em série.
Pela lei, a mulher tem até 6 meses para denunciar o caso de violência sexual, realizando o boletim de ocorrência e autorizando a Polícia Civil a abrir investigar o caso. Apenas com autorização da vítima o Ministério Público pode buscar a punição judicial ao criminoso.
No início de 2017, as Delegacias de Defesa da Mulher, chamadas de DDM, adotaram em São Paulo um protocolo de atendimento único, com um padrão de como a mulher vítima de violência física ou sexual deve ser atendida. Para que os policiais saibam atender diferentemente as mulheres vítimas de violência, foi iniciada ainda uma parceria com o Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid), do Ministério Público, para aperfeiçoar a formação.
Só no Estado de São Paulo há 133 DDM – número que, conforme a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP), representa mais de 35% das delegacias destinadas à mulher no país.
Como fazer uma denúncia de estupro
1 – O que fazer primeiro?
A primeira orientação é procurar a delegacia mais próxima — já que o boletim de ocorrência pode ser feito em qualquer uma delas. Mas, caso a vítima prefira atendimento especializado, é possível procurar as Delegacias da Mulher. A cidade de São Paulo conta com 9 delas — e uma funciona 24 horas por dia.
2 – Posso fazer o boletim por telefone ou pela internet?
Não é possível fazer o boletim de ocorrência por estupro pela internet. Por telefone, pode-se ligar para 180 (Central de Atendimento à Mulher) para obter mais informações, mais ainda é necessário comparecer a uma delegacia.
3 – Preciso ter provas?
O relato é suficiente para dar início à investigação. Contudo, caso a vítima possa levar testemunhas e seja capaz de descrever ou tenha conhecimento do autor do crime, a investigação é facilitada, informa o atendimento da 1ª Delegacia da Mulher.
4 – Preciso levar documento de identificação?
É importante para agilizar o atendimento, mas a identificação não é imprescindível. Segundo a 1ª Delegacia da Mulher, é possível fazer o levantamento da identificação na própria delegacia caso a vítima esteja sem os documentos.
5 – Vou ter de ir ao Instituto Médico Legal?
A perícia no Instituto Médico Legal vai depender de cada caso e só será pedida se houver agressão física e estupro consumado, informa a 1ª Delegacia da Mulher.
6 – Vou receber medicamentos?
Em casos de estupro com penetração, a vítima deve receber rapidamente a pílula do dia seguinte e a profilaxia para prevenção ao vírus HIV, à hepatite e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis. Os remédios são fornecidos gratuitamente pelos serviços de saúde pública até 72 horas após o crime.
7 – Qual o prazo para realizar o boletim de ocorrência?
Por lei, a vítima tem até seis meses para fazer o boletim de ocorrência.
8 – Posso pedir para ser atendida por uma delegada mulher?
É possível, sim, fazer o pedido, mas nem sempre ele será atendido em todas as delegacias. Só a Delegacia da Mulher está preparada para atender essa demanda.
Foto: Reprodução
Fonte: Veja/G1