Pela primeira vez em 13 edições, a Prefeitura do Rio não vai apoiar o “Barco de Iemanjá”, procissão que acontece todo ano em Copacabana. A decisão foi noticiada pela coluna de Ancelmo Gois, no “Globo”. O evento é organizado pela Congregação Espírita Umbandista do Brasil (Ceub), que vai fazer uma vaquinha virtual na esperança de manter o cortejo, que este ano seria no dia 16 de dezembro.
O corte vem numa sequência de reduções de custos promovidas pelo prefeito Marcelo Crivella e que — coincidência ou não — atingem eventos (veja alguns abaixo) que, segundo líderes de religiões de origem africana, vão contra valores da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual o prefeito é bispo licenciado.
Fátima Damas, presidente da Ceub, conta que em outubro entrou em contato com a Riotur, que não deu uma resposta. Na última quinta-feira, ela foi informada que não haveria suporte devido “à falta de recursos financeiros”.
— É muito triste isso, após tantos anos. Será difícil manter a procissão. A umbanda não é só religião. Infelizmente, o prefeito não enxerga isso — lamentou.
As cerimônias em homenagem a Iemanjá, declaradas patrimônio cultural carioca e inseridas no calendário oficial de eventos do Rio, expõem o sincretismo religioso como expressão da cultura brasileira. A congregação argumenta que o “Barco de Iemanjá” promove ação contra a intolerância religiosa.
Em 2016, a prefeitura deu para o evento R$ 30 mil, utilizados para aluguel dos ônibus que buscam as pessoas nos terreiros, instalação de tendas e geradores, além de flores e frutas distribuídas ao público.
— Para manter as ações, preciso de, no mínimo, R$ 20 mil. Reduziríamos a quantidade, sem deixar de fazer a festa. Mas sem verba fica impossível. A procissão tem quase 40 balaios de flores, é linda. As pessoas contam com esse dia, vem gente de todos os lugares — desabafou Fátima.
Segundo a Riotur, em função da crise financeira no Rio, a prioridade é direcionar verbas para Saúde e Educação. Em relação aos eventos, o órgão destaca que os maiores esforços estão voltados para réveillon e carnaval e que, em relação aos demais, a Riotur segue em negociação para viabilizá-los, incluindo o “Barco de Iemanjá”.
Líderes religiosos lamentam
O babalaô Ivanir dos Santos considerou a decisão um ato de discriminação não muito diferente do que a prefeitura vem fazendo com o carnaval, outra festa que envolve a identidade afro-brasileira.
— É inegável que há uma segregação cultural. Na concepção da Igreja Universal, há uma demonização das religiões africanas — diz.
Ele lembra que a festa de réveillon do Rio deve muito aos umbandistas. Segundo Ivanir, tradições da virada como vestir-se de branco, pular sete ondas e jogar flores ao mar têm origem nas religiões de matriz africana.
Vice-presidente do Movimento Umbanda do Amanhã, Marilena Mattos participa todo ano do “Barco de Iemanjá” e também criticou a medida:
— Junto ao aspecto financeiro, há uma posição religiosa para que não haja o evento. Estamos sendo esmagados pelo poder religioso da atual administração. Isso nos entristece.
O babalorixá Anderson de Osagyan concorda:
— Estamos perdendo o direito de nos manifestar. O prefeito deixou que uma questão particular influencie a gestão da cidade.
Redução de investimentos em eventos culturais:
Carnaval
Em junho, o prefeito anunciou que cortaria à metade a subvenção concedida às escolas do Grupo Especial. Cada agremiação terá R$ 1 milhão, em vez dos R$ 2 milhões concedidos no ano anterior. No início de novembro, escolas do Grupo A também foram informadas de que sua verba será reduzida a 50%.
Ensaios técnicos
A Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) resolveu suspender de vez os ensaios técnicos realizados entre janeiro e fevereiro no Sambódromo, após a diminuição dos repasses pela prefeitura. Segundo a Liesa, os ensaios eram pagos pela própria Liga e custavam R$ 4 milhões.
Parada gay
Pela primeira vez, em muitos anos, a prefeitura não deu recursos para as paradas LGBTI de Copacabana e de Madureira, que manifestam o orgulho gay. Por falta de verba, o evento na Zona Sul ficou ameaçado. Só foi possível após uma vaquinha online e com patrocínio de duas grandes empresas, além de apresentações de artistas que não cobraram cachê.
Trem do samba
O Trem do Samba recebeu, em 2016, R$ 800 mil da prefeitura. Este ano, não houve aporte. Mesmo assim, o evento está previsto para o próximo sábado: para embarcar, é preciso contribuir com 1kg de alimento não perecível que será trocado por bilhete na estação da Central, a partir do meio-dia.
Feira das Yabás
O tradicional evento também sentiu os efeitos da nova gestão. No ano passado, a prefeitura bancou 12 eventos. Neste, foram só quatro. Após ficar quatro meses sem edições desde dezembro de 2016, a feira retomou as atividades em maio.
Tambores de Olokun
O bloco chegou a ser impedido de ensaiar no Aterro pela prefeitura, sob alegação de que apresentações no local deixaram gatos de rua “estressados”. O grupo, no entanto, entrou em acordo com a prefeitura e vai continuar a tocar no mesmo local.
Foto: Fábio Guimarães/Reprodução
Fonte: G1
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