Por 8 a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o porte de maconha para o uso pessoal não é crime. Os ministros também definiram que é necessário estabelecer uma quantidade do entorpecente que separa o usuário do traficante e isso deve ocorrer com a proclamação do resultado do julgamento nesta quarta-feira.
Os ministros analisavam a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. A normativa prevê que é conduta ilícita portar drogas para consumo próprio. Porém, é considerada uma infração menos grave, não prevendo pena de detenção ou reclusão, mas medidas socioeducativas. No entanto, deixa a cargo de policiais e juízes decidiram que está utilizando ou traficando entorpecentes.
O ministro Dias Toffoli fez um esclarecimento do voto, e defendeu que a legislação já não criminaliza quem usa drogas, porém, cabe ao Congresso a fixação de uma quantidade de maconha que diferencia quem consome de quem trafica.
Oito ministros consideram que não é crime o porte de drogas para consumo individual e que a conduta é um ato ilícito administrativo. Seguem nesta linha o relator Gilmar Mendes e os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (aposentada), Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Luiz Fux.
Três ministros entendem que a lei é constitucional, ou seja, na prática, o trecho deve ser mantido – entendido como um crime, com as repercussões socioeducativas. Seguem esta linha os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça.
Com a decisão, o porte de maconha continua como comportamento ilícito, ou seja, permanece proibido fumar a droga em público, mas as punições definidas contra os usuários passam a ter natureza administrativa, e não criminal.
A advogada, conselheira e representante da Rede Jurídica pela Reforma da Política sobre Drogas no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), Cecilia Galicio, considera a medida superficial, por restringir-se a uma única substância, e pode levar à criminalização dos usuários em razão de outras drogas.
“Essa questão da descriminalização apenas da maconha pode sim deixar um vácuo para que haja uma espécie de autorização para que a polícia continue abordando, não mais na busca pela maconha, mas na busca por outras drogas. A gente continua com esse cenário de criminalização dos usuários de substâncias de uma maneira geral”, acrescentou.
A Corte deixou para a sessão desta quarta-feira (26) a definição sobre a quantidade de maconha que deve caracterizar uso pessoal e a diferenciação entre usuários e traficantes. Pelos votos já proferidos, a medida pode ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis.
Racismo
Cecilia Galicio ressaltou ainda que a nova permanece inócua contra o racismo.
“A questão do uso de substâncias vai muito além da substância em si. Ela atinge outras camadas de análise. Imagino que essa decisão, para além de injusta, ela vai reforçar o privilégio de algumas pessoas sobre outras, usuários de algumas substâncias sobre outras, e certamente não vai acabar com o racismo, que é, na verdade, o grande mote da guerra às drogas e o seu principal impacto”, disse.
Para Nathália Oliveira, cientista social, cofundadora e diretora executiva da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, a ação violenta das polícias deverá continuar inalterada nas periferias das cidades, justificada pelo combate às demais substâncias não atingidas pela decisão do STF.
“Todo passo que se oponha a lógica bélica pode impactar em mudanças, mas não é automático e precisamos acompanhar com atenção os próximos passos. O que existe até o momento é uma atuação mais violenta das polícias em territórios de periferia justificada no combate às drogas – que não deixaram de ser proibidas após a decisão do STF”.
Nathália Oliveira destacou ainda que não é possível dimensionar o impacto da decisão do STF, mas “é possível esperar são novas interpretações em julgamentos futuros amparados na nova interpretação do STF, além de ações do Poder Executivo e mudanças legislativas a partir dos votos dos ministros”.
Orientação às polícias
Já a advogada Cecilia Galicio defende “uma orientação geral às polícias para que deixem de abordar usuários e trabalhem, de fato, na fiscalização e na investigação de crimes relacionados ao tráfico de drogas, e não só a abordagem de usuários”.
Edição: Carolina Pimentel