Em julho, o Banca Monte dei Paschi di Siena, o banco mais antigo do mundo, conquistou outra distinção: o mais problemático da Europa.
O banco teve um desempenho pior que qualquer outro em um teste de saúde financeira feito por reguladores europeus, o mais recente capítulo sombrio de uma longa saga de negócios malfadados, estripulias financeiras, crimes e até mesmo uma morte misteriosa.
O teste de estresse dos reguladores, que mostrou que uma recessão grave poderia acabar com o capital do banco, forçou o governo italiano a enfrentar uma verdade desagradável: os cinco séculos e meio do Monte dei Paschi estão chegando ao fim. Com a análise de Roma, o UniCredit, um dos maiores bancos da Itália, divulgou em julho que estava em negociações para comprar o Monte dei Paschi com a condição de que o governo assegurasse todos os empréstimos ruins.
O Monte dei Paschi, fundado em 1472, provavelmente permanecerá como marca em agências bancárias no centro da Itália, e os clientes provavelmente não notarão muita diferença, pelo menos no início. Mas deixará de ser uma entidade independente e um lembrete vivo de que os comerciantes italianos durante o Renascimento basicamente inventaram o banco moderno. As operações serão gerenciadas a partir da sede do UniCredit em Milão e não mais da sede do Monte dei Paschi em Siena. O título de banco mais antigo provavelmente passará para o Berenberg Bank, fundado em Hamburgo, na Alemanha, em 1590.
Os problemas do banco são uma distração indesejada para Mario Draghi, o primeiro-ministro italiano e ex-presidente do Banco Central Europeu, que tenta avançar com as reformas e acabar com a posição da Itália de retardatária econômica perpétua da zona do euro.
O fim do Monte dei Paschi, que foi efetivamente nacionalizado depois de um resgate do governo, “liberaria recursos, tempo e capital político para questões mais importantes”, disse Lorenzo Codogno, ex-economista-chefe do tesouro italiano que agora é consultor independente. “Há uma forte pressão política para encontrar uma solução o mais depressa possível.”
Contudo, para Siena e arredores, os problemas do Monte dei Paschi são um golpe, tanto psicológico quanto econômico. Poucos bancos estão tão envolvidos com a riqueza e a identidade de uma comunidade como o Monte dei Paschi estava em seu auge. Continua sendo o maior empregador privado de Siena, e a fundação que o possuía investia seus lucros bancários em inúmeras atividades cívicas, incluindo creches, serviços de ambulância e até mesmo trajes que clãs rivais usavam nas procissões anteriores ao Palio di Siena, a corrida de cavalos em pelo que normalmente é promovida duas vezes a cada verão na praça central.
“O Monte dei Paschi faz parte da carne e do sangue da cidade. Do ponto de vista humano, é como se o banco fosse uma filial de cada família senense”, afirmou Maurizio Bianchini, jornalista local, historiador do Palio e ex-chefe de comunicações do Monte dei Paschi.
A sobrevivência do banco está em dúvida há anos. Seus problemas começaram em 2008, depois que pagou mais do que poderia na compra de um rival para se tornar a terceira maior instituição financeira da Itália, atrás do Intesa Sanpaolo e do UniCredit.
Em 2013, enquanto a polícia investigava alegações de que executivos do banco ocultavam de reguladores e acionistas suas perdas crescentes, David Rossi, chefe de comunicações do Monte dei Paschi, foi encontrado morto em um beco sob a janela de seu escritório, em um aparente suicídio. Membros da família de Rossi estavam convencidos de que ele foi morto por saber demais, mas a polícia nunca encontrou provas conclusivas de crime.
Em 2019, mais de uma dúzia de executivos do Monte dei Paschi, do Deutsche Bank e do Nomura foram condenados por usar ilegalmente derivativos complexos para encobrir os problemas do banco italiano. Eles apelaram.
A maioria dos bancos com os problemas do Monte dei Paschi teria sido vendida há muito tempo, mas para o povo de Siena o acordo com o UniCredit seria como leiloar parte de sua identidade. A cidade também enfrentará problemas econômicos. A venda para o UniCredit provavelmente acarretará o corte de até cinco mil empregos, um terço do total, de acordo com o noticiário italiano. O UniCredit se recusou a comentar as possíveis.
“A cidade está enfurecida”, disse um homem de 80 anos, que não quis dar seu nome, enquanto conversava com amigos nos degraus de uma agência do Monte dei Paschi, no centro de Siena. Abrir mão do controle para o UniCredit em Milão, segundo ele, “seria como perder uma filha”.
Os testes de estresse bancário publicados em julho pelo Banco Central Europeu expuseram a vulnerabilidade do Monte dei Paschi, apesar de múltiplas recapitalizações e planos de retomada. No caso de uma grave recessão que durasse até 2023, o capital do banco seria reduzido quase a zero, de acordo com o teste de estresse. O banco precisaria de muito mais de 2,5 bilhões de euros, ou US$ 2,9 bilhões, em novo capital, informou Daniele Franco, ministro da Economia italiana, ao Parlamento em agosto.
Ainda assim, muita gente em Siena se recusa a aceitar que o meio milênio de independência do Monte dei Paschi possa acabar em breve. A possível venda ao UniCredit se tornou um problema nas eleições municipais e parlamentares, que serão realizadas em outubro, e pode acabar fortalecendo a Liga, o partido populista de direita que já apoia o prefeito de Siena, Luigi De Mossi.
De Mossi declarou a repórteres recentemente que o banco não era “um supermercado”, onde o UniCredit poderia escolher apenas os ativos que desejasse, deixando que o governo cuidasse do resto. Segundo ele, o futuro do banco é uma “questão social e política que diz respeito não só a Siena, não só à Itália, mas à Europa”.
Outros líderes, no entanto, dizem que é hora de Siena prosseguir. “Os testes de estresse do BCE são uma espécie de verificação final do fato de que o banco não é mais capaz de se manter”, disse Enrico Letta, ex-primeiro-ministro da Itália que, depois de uma temporada na academia, voltou à política como candidato ao Parlamento representando as províncias de Siena e Arezzo.
Letta argumenta que o setor bancário ainda será um grande empregador, mas que a cidade deve investir em sua outra força tradicional, a saúde. A farmacêutica britânica GlaxoSmithKline tem um grande centro de pesquisa em Siena, que desenvolve vacinas para doenças prevalentes em países mais pobres, como a febre tifoide. “Siena queria ser a capital das finanças. Pode ser a capital das ciências da vida”, garantiu Letta.
Alguns residentes de Siena concordam. Como a própria Itália, o Monte dei Paschi mostrou que uma história ilustre não é garantia de sucesso no mundo moderno. “Foi a prosperidade de Siena; mas, mesmo sem a fusão, essa época já passou há muito tempo”, comentou Marco Bruttini, de 70 anos, designer gráfico aposentado, ao lado da sede do banco em uma manhã recente.
*Por Gaia Pianigiani e Jack Ewing / c. 2021 The New York Times Company