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Aos 77 anos, Nicéa Maria Pinto de Almeida passou a madrugada desta quarta-feira protegendo os móveis da sala da inundação. Sofás e poltronas foram colocados sobre pequenos bancos de metal. Duas latas de tinta serviram para apoiar o aparador, onde fica a televisão. Enquanto o barulho da chuva aumentava do lado de fora, crescia na aposentada o medo de perder a geladeira e outros eletrodomésticos. Moradora há 42 anos do bairro Coelho da Rocha, em São João de Meriti, Nicéa já enfrentou outros alagamentos, mas nunca tão dramáticos. Com as chuvas, as saídas de esgoto que desembocam no Rio Sarapuí, que cruza a cidade, transbordaram. No total, oito ruas foram tomadas por uma mistura de água e dejetos.

De uma sacada na Avenida Farol da Barra, no Conjunto Azul, Yasmin Marques Moreira, de 24 anos, olhava ontem apreensiva para a água escura que tomava a via. Era dia de levar ao médico o filho, Bernardo, de 1 ano e 5 meses, que nasceu com microcefalia. Por causa do alagamento, no entanto, ela não conseguiu sair de casa. O forte cheiro do esgoto fez com que o menino, que é alérgico, tivesse uma crise convulsiva.

— Eu me sinto impotente e abandonada. No ano passado, perdi o carrinho de bebê durante uma enchente. No ano anterior, as poças viraram um criadouro de mosquitos da dengue, e eu acabei sendo picada e infectada com o vírus da zika. Estamos sob o risco de doenças por causa desse esgoto, mas ninguém faz nada — desabafa ela.

Há pelo menos cinco dias, os moradores da região sofrem com o alagamento. A situação se agravou com o temporal que assolou o município na noite de anteontem. Em poucos minutos, a água misturada com esgoto tomou as ruas. Chamadas, equipes da prefeitura de São João de Meriti chegaram por volta das 20h ao local.

PREFEITURA CULPA EMPRESA E CONCESSIONÁRIA

Segundo a prefeitura, o assoreamento que provocou a inundação se deve a uma obra da empresa de logística LSP Business Park. Um galpão da empresa teria sido construído sobre um canal, impedindo a passagem do esgoto em direção ao Rio Sarapuí.

— Problemas crônicos que se acumularam ao longo dos últimos anos levaram a esta situação. Há mais de dez anos, a CCR Nova Dutra (concessionária que administra a Via Dutra) fechou uma galeria de água que saía do Conjunto Azul, durante a construção de uma passarela. Mais recentemente, no ano passado, a empresa LSP construiu um galpão que obstruiu outro canal. Era uma bomba que estava sendo armada. Agora, estamos trabalhando para desarmá-la — disse o secretário municipal de Obras, Antônio Sobrinho.

A Defesa Civil do município montou uma força-tarefa com 150 homens e 30 veículos para ajudar os moradores a se deslocarem. Por causa do temporal, dois imóveis desabaram na madrugada de ontem, mas ninguém ficou ferido.

— Estamos, em primeiro lugar, garantindo o direito de ir e vir das pessoas — disse o major Samir Batista Fernandes, subsecretário da Defesa Civil.

A associação de moradores do bairro pretende entrar na Justiça com uma ação coletiva contra as duas empresas para pedir indenização por danos materiais.

— Teve gente que passou o ano-novo com esgoto dentro de casa. Idosos e pessoas com crianças de colo estão ilhados até agora. Isso não pode acabar de forma impune — disse Cristiane Pereira, de 39 anos, vice-presidente da associação de moradores.

Nesta quarta-feira, muitas famílias ainda calculavam os prejuízos. O vigilante Márcio Barbosa, de 49 anos, encontrou o carro alagado quando voltou do trabalho:

— Quando cheguei, tive que encarar a água pela cintura. E agora? Quem vai me ressarcir?

De acordo com a prefeitura de São João de Meriti, tanto a CCR Nova Dutra quanto a LSP Business Park foram notificadas e poderão ser multadas. A empresa de logística não foi encontrada para comentar o assunto. A CCR Nova Dutra informou que a obra da passarela, entregue em 2010, não provocou qualquer “obstrução de tubulação ou galeria que possa ocasionar alagamento” e que faz vistorias constantes em sua área de atuação.

Fonte: O Globo

Foto: Fabiano Rocha