A avenida Alexandre Ferreira fica a um quarteirão da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Ninguém por ali se refere a ela como avenida, os moradores usam a palavra “rua” para falar do trecho pacato de três quarteirões no Jardim Botânico, um dos bairros cariocas mais ricos.
A tranquilidade do lugar não foi afetada pela mudança de uma figura de poder para um prédio de alto padrão, onde um apartamento não sai por menos de R$ 2 milhões. É na cobertura de um edifício portentoso que Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio, cumpre prisão domiciliar. Adriana, que é mulher de Sérgio Cabral e ocupou a cadeira de primeira-dama do estado de 2007 a 2014, foi condenada a 18 anos de reclusão por associação criminosa e lavagem de dinheiro na Operação Calicute, um dos desdobramentos da Lava Jato. O esquema de corrupção, afirma a Justiça, desviou R$ 224 milhões (descobertos até o momento) em contratos com empreiteiras.
SESSÃO DA TARDE
Faz cinco meses que Adriana se mudou para a cobertura de 300 m² de um afilhado. Dois meses antes, ela havia recebido do STF a autorização para cumprir prisão domiciliar, direito reservado a presidiárias com filhos menores de idade.
Sua vida social virou uma morte social. “É nessas horas que você descobre quem é amigo, e ela descobriu… Que quase ninguém era amigo”, diz uma empresária do setor alimentício, que faz mea-culpa: “Eu mesma nunca mais falei com ela. Nada contra a pessoa, mas não pega bem, sabe?”.
A única forma de contato entre as duas, que se viam toda semana, foi uma remessa literária. A empresária mandou livros de autoajuda para Adriana, entre eles alguns do guru brasileiro Prem Baba. “Achei que ela estava precisando de paz.” A empresária não sabe dizer se Adriana leu os presentes: “E ia falar com ela como? Por carta? Telex?”.
É que apenas advogados e parentes (até terceiro grau) podem entrar na prisão domiciliar – visitas têm de deixar o celular fora de casa. Ela também está vetada de entrar na internet. Pode parecer pataquada, mas quem a acompanha garante que ela foge do wi-fi como o diabo da cruz.
Como diz um das dúzias de advogados que trabalharam para a família: “Se a Polícia Federal descobre que ela está usando internet, sabe para onde ela volta? Pra Benfica [a Cadeia Pública José Frederico Marques, no bairro de Benfica]. Você acha que alguém quer voltar pra Benfica?”.
Os dias são silenciosos na cobertura. E também escuros. Um dos poucos funcionários do prédio que admite ter passado pela casa para fazer um reparo diz que o apartamento estava com as persianas fechadas. “Era de dia, mas lá dentro tava escuro.” E a TV da sala ligada na ‘Sessão da Tarde’. “Entrei, fiz o que tinha pra fazer e saí. Nem falei com ninguém.”
PODER passou dois dias na porta do imóvel na Alexandre Ferreira. E não viu um fio dos cabelos que a ex-primeira-dama pintava de castanho em salões do Leblon e agora são tingidos em casa. Adriana não pode sair de casa, a não ser em caso de emergência médica – também precisa atender a todas as comunicações da Justiça e, acostumada a duas idas à Europa por ano, entregou o passaporte à Justiça.
Mesmo dentro de casa, não é possível ficar em paz. Ao menos não durante o dia. A Polícia Federal pode entrar no imóvel entre 6 e 18 horas, sem precisar de autorização judicial para isso. As visitas, entretanto, são raras. “Olha, se vieram, vieram de carro civil”, diz o porteiro do prédio em frente, que afirma nunca ter visto a PF.
O filho mais velho de Cabral, o deputado federal Marco Antônio Cabral, de 27 anos, contou nas últimas semanas que a situação em casa se inverteu: é ele quem ajuda a madrasta hoje em dia. “Ela foi transformada em um monstro”, afirmou à revista Época. Marco Antônio revelou que o processo de aprendizagem do irmão mais novo, de 13 anos, foi influenciado pelos infortúnios da família. “[Ele] sabe até nome de ministro do STJ.” O garoto perguntou à mãe o que é um habeas corpus, disse o irmão.
MAU NEGÓCIO
Enquanto Adriana está presa na Lagoa, o escritório Ancelmo Advogados continua existindo na avenida Rio Branco, sob a fachada de mármore de um prédio que foi construído para ser a sede do banco Bozano, Simonsen, cujas operações foram encerradas na virada dos anos 2000. O prédio, com seu lobby revestido de madeira, ainda é o endereço comercial do escritório, ostentado em uma placa perto do elevador. Mas os negócios rarea¬ram, e os funcionários também.
Por ordem da Justiça, Adriana Ancelmo não faz mais parte do dia a dia da Ancelmo Advogados. Ela teve de se afastar da administração de todas as empresas investigadas – dos dez maiores contratos, sete eram de empresas que receberam benefício fiscal do governo. A equipe foi enxugada no momento de crise. Os cortes foram de recepcionista a estagiário. PODER esteve duas vezes por lá e tentou uma dúzia de ligações telefônicas. A reportagem nunca foi atendida porque não havia ninguém.
Antes da proibição, Adriana trabalhava à frente de uma equipe que chegou a ter duas dúzias de pessoas – ainda que enfrentasse períodos prostrados. Funcionários do seu escritório narram que era comum ela intercalar jornadas de 12 horas de trabalho com dias sem aparecer no escritório, por mais que a família estivesse no Brasil. “É uma equipe pronta para não ter chefe. A gente dizia que é um carro que roda com o estepe sempre na mão”, diz um advogado que trabalhou para a firma anos atrás e se desligou antes da eclosão dos escândalos.
ALIANÇA DEVOLVIDA
Antes da tempestade, veio a bonança. Adriana Ancelmo e Sérgio Cabral se conheceram em 2001 na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, quando ela era assessora e ele era presidente da Alerj. Ambos estavam casados, mas não tardaram a desfazer os laços para formarem uma dupla que subiu junta. Quando se casaram, em 2004, ele já era senador da República.
Cinco anos depois, Cabral já era governador e, em uma viagem a Mônaco, Adriana receberia do marido a mãe de todas as alianças. Um anel de ouro branco e brilhantes da joalheria holandesa Van Cleef & Arpels. O preço do mimo: 220 mil euros (cerca de R$ 800 mil, na cotação da época). Quem pagou pelo regalo foi o empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta. Mas o anel foi devolvido a Cavendish quando, em meio à explosão de escândalos, o governante e o empresário dissolveram a parceria.
Pouco depois, veio de Curitiba a notícia: em meio à papelada da Lava Jato, o Ministério Público Federal havia descoberto gastos peculiares de Adriana: R$ 57.038 pagos em sete parcelas de dinheiro vivo por seis vestidos de festa. As remessas eram depositadas em cash na conta do estilista Fred & Le. Em outra compra, de eletrodomésticos para cozinha na Celdom, ela pediu que fosse gerado um boleto de R$ 9.925. Sérgio Moro afirmou em despacho ter recebido com “certa estranheza” as “aquisições vultuosas” feitas pela ex-primeira-dama no período. Foi o começo do fim.
Mas vão-se os anéis e ficam os dedos. Nus. Das últimas vezes que apareceu em público, saindo da prisão e fazendo a sua mudança, a ex-primeira dama não ostentava um grama de ouro – as joias foram entregues à Justiça.
CARTÃO-POSTAL ÀS AVESSAS
Antes de ir para a Lagoa morar de favor, Adriana passou meses no imóvel do casal, no Leblon. Porém não havia clima. O apartamento no quarto andar da Aristides Espínola virou um cartão-postal às avessas. Depois de meses com carros buzinando a cada vez que passavam pela fachada do prédio, como forma de protesto, Adriana saiu de lá e foi morar na cobertura que ocupa.
O apartamento do Leblon foi alugado menos de dois meses depois. Foi entregue vazio, a não ser por uma TV de plasma que havia sido deixada para trás, para um operador do mercado financeiro que paga o aluguel direto para uma conta da 7ª Vara Federal Criminal na Caixa Econômica Federal.
O novo ocupante chegou a ter seus cinco minutos de fama. Deu entrevista em anonimato para O Globo, mas hoje avisa a quem tenta puxar papo com ele sobre o imóvel: “Preciso trabalhar. Não sou político”.
Fonte: Glamurama PODER
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil