Acompanhar as decisões acerca do direito das empresas em demitir ou deixar de contratar funcionários que não se vacinaram contra a covid-19 não tem sido simples. No início de novembro entrou em vigor portaria do Ministério do Trabalho e Previdência em que ficava claro que empresas não poderiam exigir comprovação de imunização. Porém, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu provisoriamente trechos da norma, voltando a permitir que empregadores exijam o comprovante.
Enquanto as instâncias medem forças, empresas se veem no meio do que parece ser um “fogo cruzado”. Para entender o cenário, o Metro World News conversou com especialistas em Direito, que explicaram a hierarquia entre as diferentes normas jurídicas.
“A Constituição Federal é a norma mais alta. Abaixo dela estão as leis, decretos e, depois, as portarias. O fato de o governo ter colocado uma exigência através de uma portaria por si só não teria validade jurídica a ponto de gerar obrigações e deveres tão sérios como esse”, explica Vinícius Pacheco Fluminhan, professor de Direito Previdenciário da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas.
O docente diz que não é exagero dizer que a portaria, como entrou em vigor, era inconstitucional. “Os empregadores são obrigados a preservar o bem estar de seus funcionários. A garantia do trabalho em ambientes saudáveis é um direito básico que está presente na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e na Constituição”, diz o professor do Mackenzie. “Todas as portarias servem para orientar população e órgãos públicos. Elas devem, porém, caminhar de acordo com a lei. Quando a contrariam, sucumbem perante à hierarquia”, completa.
Coletivo X individual
Para Fluminhan, exigir a vacinação no ambiente profissional representa a sobreposição do interesse coletivo ao individual. “As empresas podem tomar todas as medidas necessárias para cuidar da saúde do time. Se ela quiser manter o colaborador que não quer se imunizar em casa ou mesmo dispensá-lo, as alternativas estão dentro de seu campo de atuação. Não se trata de preconceito ou discriminação, mas sim da preservação dos direitos dos demais”.
O professor do Mackenzie fez questão de destacar, porém, a ressalva de Barroso quanto aos empregados que não têm indicação médica para a vacina, ou seja, em casos excepcionais, quando ela sabidamente fizer mal à saúde. “Foi uma ressalva importante, pois o indivíduo não é obrigado a sacrificar a sua saúde ou vida se houver comprovação médica deste risco em nome da coletividade”, aponta.
“A portaria do governo federal nasceu a partir da ideia de que ela organizaria e disciplinaria as empresas, prestigiando liberdade em detrimento da saúde. Ao fazer isso, porém, o conjunto é prejudicado. Em se tratando do coletivo, deve-se lembrar que o aumento de casos impacta diretamente o SUS (Sistema Único de Saúde), por exemplo. Para além da questão da saúde em si, há a questão patrimonial, em que todos nós pagaremos por mais pacientes usando o sistema”, diz Luiz Alberto David Araújo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Conscientização: um papel do RH
Independentemente do que diz o Ministério do Trabalho e Previdência ou o Supremo, as empresas podem e devem implantar medidas de conscientização entre seus funcionários.
“Ações de comunicação internas são de extrema relevância tanto para a saúde de cada colaborador quanto da equipe. A organização pode estabelecer políticas de incentivo à vacinação, que poderão ser elaboradas utilizando as informações seguras disponíveis no Plano Nacional de Imunização, indicando a eficácia da vacinação no combate à pandemia. Para contribuir nesta questão, uma ideia é promover ações em conjunto com os profissionais de saúde capazes de sanar possíveis dúvidas”, afirma Bruna Degani, gerente do departamento jurídico da HR Tech Ahgora, desenvolvedora de tecnologias para Recursos Humanos.
Outras medidas visando um ambiente organizacional saudável podem ser implantadas, como ressalta a gerente. “Recomenda-se que as empresas exijam a testagem periódica dos colaboradores para comprovar a não-contaminação pela covid-19. No caso de resultado positivo, o funcionário deve seguir as orientações indicadas por profissionais de saúde para garantir um tratamento eficaz da doença e não contribuir para a contaminação de demais membros da equipe”, finaliza.