Com três mil empregos suprimidos na Nissan e outros 500 em uma fábrica de alumínio, a indústria da Espanha treme diante de um futuro sombrio após a pandemia de coronavírus, o que agrava os males de um setor há muito esquecido.
Na semana passada, trabalhadores de uma fábrica da Nissan em Barcelona (nordeste) queimaram pneus, em reação ao anúncio da companhia japonesa de fechar esta instalação que gera 3.000 empregos diretos e 22.000 indiretos, segundo os sindicatos.
E, em Valência, na costa leste, a Ford anunciou um plano de demissão voluntária para reduzir em 350 a força de trabalho de sua fábrica.
Diante desse cenário turbulento, o chefe do governo socialista Pedro Sánchez anunciou que estava preparando um plano de apoio ao setor automobilístico, responsável por 10% do PIB, enquanto os sindicatos se preocupam com a siderurgia e o alumínio, já em situação delicada.
“A urgência é determinar quais setores são estratégicos em nosso país e saber que teremos que ajudar essas empresas a serem competitivas”, opinou o secretário-geral do sindicato UGT-Fica, Pedro Leaves.
Com seis milhões de empregos, a indústria espanhola sofre há tempos com o desinteresse dos políticos que basearam o desenvolvimento econômico em setores como construção e turismo, afirmam sindicatos e economistas.
E isso apesar de os empregos industriais serem mais estáveis e mais bem remunerados do que a média do país, onde um terço dos empregos é temporário.
“A indústria é o grande fracasso estrutural da economia espanhola nos últimos 20 anos (…) O coronavírus é a última oportunidade para percebermos a importância da política industrial”, alerta Xavier Ferras, professor da escola Esade de negócios.
Para Fernando Fernández, professor da escola de comércio IE, o fechamento da fábrica da Alcoa era uma “morte anunciada”: um setor com grande necessidade de energia em um país onde a eletricidade é cara, e as perspectivas sombrias no setor de matérias-primas foram superadas pela “desaceleração econômica” causada pela pandemia.
“A COVID acelera um processo que se arrastava há muito tempo”, resume.
No caso do automóvel, encadeia anos árduos, devido à queda nas vendas e à difícil transição para o veículo elétrico.
– Dependência externa –
Com a entrada em vigor do confinamento em meados de março, todas as fábricas de automóveis na Espanha, o segundo maior fabricante europeu depois da Alemanha, ficaram paralisadas por semanas.
O fechamento geral no continente afundou as vendas de veículos novos: -55%, em março, e -76%, em abril.
“O setor automobilístico já arrastava uma situação que precisava de adaptação ao novo mercado (…) Esse processo de mudança é acelerado, porque não há vendas”, afirma o especialista em política industrial José Manuel Casado, do sindicato Comisiones Obreras.
“Todo o setor automotivo foi submetido a uma interrupção sem precedentes. Está totalmente deslocado, e todas as marcas estão redistribuindo suas operações”, diz Xavier Ferras.
O plano de ajuste da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi prevê deixar a Europa para a Renault e concentrar a Nissan na China, no Japão e na América do Norte.
E, embora a maioria das fábricas de automóveis na Espanha seja mais competitiva do que a da Nissan, sua atividade depende em grande parte das exportações e da saúde das principais marcas do mundo.
“A COVID provoca um reposicionamento brutal de todas as estratégias europeias em um país dependente de decisões de empresas estrangeiras”, explica Fernández.
A dependência externa é ainda mais acentuada, devido ao baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento industrial, o que complica a captação de fábricas e centros de decisão, observa Ferras.
Segundo ele, a Espanha gasta apenas 1% de seu PIB nessa atividade, contra a média de 3% dedicada na União Europeia.
O setor de energia renovável, com a energia eólica na liderança, e o setor de componentes automotivos, menos afetado pelas mudanças no setor, poderiam pelo menos se sair bem da crise, estima Fernández.
emi/mg/dbh/pc/mr/tt Por: AFP